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A Caracol

Um blogue pseudo-humoristico-sarcástico. #soquenão #ésóparvo

Um blogue pseudo-humoristico-sarcástico. #soquenão #ésóparvo

Desafio dos Pássaros#12

Aqueles pássaros não se calam

É a quinquagésima nona vez que ouço o piar comum. 

Não sei qual é parte de ter que trabalhar que aquelas aves raras não percebem, mas tudo bem. 

O som torna-se estridente, alguém chamou por mim. Caraças, que raio me querem agora? 

- Chamaram? - questiono ignorando os 98676 chamamentos anteriores. 

- Não... era só para saber como estavas. 

Tão queridos, até parece que se preocupam e não querem, na realidade, não dizer nada ou só azucrinar a cabeça porque caí no degrau ou porque lancei mais uma farpa para o ar. 

Ali, naquela Gaiola, é sempre tudo muito urgente, todos piam sempre alguma coisa e é de estranhar o silêncio. Os temas variam muito, desde Joaninhas (não perguntem), passando pela infindável lista de séries que um vê (não sei como consegue), parando nas parvoíces de dois ou três que quando se juntam é um regabofe melhor que os do Algarve (não sei quem faço parte). Há o cromo, que é, literalmente, um cromo e que não, não sou eu. Há conversas infindáveis sobre chupetas, mortes e o verdadeiro sentido da vida. Normalmente, não chegamos a conclusão nenhuma e o assunto termina, invariavelmente, em dois pontos: ou comida ou parvalheira. Às vezes, a maior parte das vezes, nos dois. 

Se lhes podia mandar com um calhau e cala-los um bocado?

Podia, mas também teria a vida irremediavelmente mais enfadonha.

Parabéns Magda!

E obrigada por teres menos juízo que eu. Por anotares as ideias que atiro para o ar e voltares a elas mais tarde, quando já todos tínhamos esquecido do assunto, e atirares as culpas para cima de mim. 

Mandar-te um mail com uma ideia estapafúrdia, há 1500 anos, foi das melhores coisas que fiz na vida e é um privilégio poder massacrar-te todos os dias a cabeça, logo ao acordar. 

Um grande beijinho Magda e um grande dia, como tu mereces.

Desafio dos Pássaros #11

Um dia na tua família… do ponto de vista do teu animal de estimação

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- Oh, valha-me deus... Que horas são, Berlinde?

- Não sei, mas ainda está escuro... 

- A patroa já anda ali no pátio de vassoura na mão... Hoje não é domingo? 

- Deve ser... Fazes perguntas muito difíceis, meu. Acabei de acordar. 

- FOGE BERLINDE!!!!! 

- O quê? Como? Mas... 

Ah, foda-se! A mangueira outra vez! Pelo amor de deus, eu acabei de acordar ainda nem vi o estado do meu pêlo no reflexo da taça da água, tampouco lambi as remelas e esta gaja já anda aqui a lavar o pátio! 

- Ela não lavou o pátio ontem, Cusco? 

- Anteontem. Com líxivia. 

- Credo! Até parece que somos assim tão porcos. Tu pronto, às vezes roças ali a badalhoquice, mas eu?! Eu?! O canídeo mais asseado e aprumado que existe?

- Berlinde, tu mijas em cima da minha cauda quando estou a fazer o nº 2. 

- Isso é porque tu escolhes sempre o MEU lado do pátio para o fazer. 

- MANGUEIRA NAS ESCADAS! ENCOSTA-TE!

- Ufa! Obrigada, meu! Foi por pouco. Esta gaja é doida. Ela não vai à missa? De toda a gente que nos podia calhar na rifa, tinha que mesmo que ser esta? 

- Metemo-nos à frente sem querer, enquanto sobe as escadas? 

- É melhor não... Já na semana passada caiu num degrau, que por acaso me soube muito bem visualizar, outra queda é desnecessário. 

- Pois... E agora são duas. Já pensaste quando nascer e crescer? Vai ser MESMO fixe! Olha, o Caracolinho! 

- Ya... Muito fixe... Estou em pulgas... 

Caracolinho! Tive tantas saudades tuas! Já não te via desde ontem à noite! Que jantaste miúdo? Estás enorme! Tens aí pão?  

Pão? Disseste pão? Olha bem para os meus olhos... Bem lá no fundo... Isso... O pão mais fresco é para mim. Lindo menino, muito bem!

Adoro este cacete de domingo, tu não Berlinde? 

- Deixa-me comer. 

- Eu já acabei. 

- MAS EU NÃO!

- Mau feitio... Vais comer aquele bocadinho al...

- VOU! BAZA! 

- Oh, boa! Olha Berlinde! Um gato! Vamos ladrar-lhe e saltar contra a rede para ele perceber quem manda neste pátio! 

- Vai indo, vai indo Cusco. Eu vou só aqui ver testar a temperatura do sol neste degrau. 

 

 

Diário de uma grávida #22

Sinto que estas duas semanas passaram a voar. Talvez porque me tenha metido em meia dúzia de sarilhos, fruto das minhas ideias brilhantes, talvez porque se avizinham as festas e toda a gentes sabe que o tempo das festas passa mais rápido. O que é certo é que já vamos a mais de meio deste processo fenomenal, a gravidez, que em tanto tempo de evolução de espécie ainda não se tornou mais curto. 

Principais notas a assinalar: já quase não cruzo as pernas, calçar meias implica colocar as pernas meias de ladex e apertar o fecho das botas só a fazer o quatro no joelho oposto. 

A maioria dos meus casacos não fecha, o que sempre fixe quando cai o céu em forma de chuva ou estão -38º às 8 da noite.  

Já separei as roupas que tinha guardadas do Caracolinho, quer pela estação que não calha coincidente, quer pelo género. Sim, vou vestir a miúda de azul e vai andar muita vez com as meias, interiores, camisolas e algumas calças do irmão. Não, não lhe vou vestir os pólos e as camisas dele, porque isso não era ser unisexo, era só ser parvo. Não me maçem. 

Ainda assim, e mesmo fazendo a devida triagem, acho que tenho roupa a mais. Vamos indo e vamos vendo. 

E os enjoos? Controlados com nausefe, claro. Bem dito seja o fruto dos laboratórios de anti-eméticos, Senhor o conserve na sua eterna graça por muitos e longos anos. A ele e ao Gaviscon Duo. 

A médica sugeriu, esta semana, o começo da utilização de cinta de grávida. Não lhe sinto mesmo falta. Lembro-me perfeitamente, na primeira gravidez, de lhe sentir a falta cedo e por estas semanas já usar há muito, mas nesta não sinto mesmo desconforto lombar. Sinto-me (ainda) mais taralhoca e com falta de jeito, com menos destreza física (não que tivesse muita, mas enfim, piorou), mas não sinto desconforto ou dor na lombar. Se calhar quando sentir já vou tarde, mas para já não lhe sinto mesmo falta. 

A sacana da miúda tem uma paixão pela minha costela móvel direita. A-do-ra. Já eu adorava conseguir respirar quando ela insiste em tocar a 5a sinfonia de Beethoven em piano de costelas. 

Acho que não me esqueço de nada, mas a minha memória anda pelas ruas da amargura, por isso olhem... Até para a semana, sim? 

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(Nenhuma destas fotos é desta semana, mas façam de conta, está bem?) 

Desafio dos Pássaros #10

Já chegamos? Já chegamos? 

(Olhem filhos, acabei de chegar. É triste, mas é verdade, isto hoje esteve atrasado. As minhas gosmentas desculpas.) 

Olho novamente para o relógio, mas o estupor teimou em parar na mesma hora e no exato minuto em que transpus aquela porta. 

"Filho da mãe, sacana de uma figa, quando uma pessoa quer que o tempo passe a correr ele insiste em parar." 

Nova ordem. 

Reviro os olhos mentalmente. 

Estou farta disto. 

"Já chegamos? Já chegamos?" 

Cala-te, pá! Sempre a reclamar este meu cérebro, impressionante. Cala-te, mén! Estou farta de te ouvir. 

Uma subida. Era só o que me faltava, de facto. 

A visão fica turva, mas na realidade pouca diferença faz ver bem ou não. 

Mais um grito. 

Caraças, quando é que isto acaba? 

Vou-me pirar daqui. Tenho que me pirar daqui. 

Vais nada. Vais ficar e fazer o que é preciso fazer. 

- Estámos quase a chegar! - grita novamente. 

Finalmente! Obrigada, Senhor! 

Duas horas e meia depois, pelo menos assim parece, chegámos finalmente. 

A lado nenhum, claro. Ou acham que vão longe numa bicicleta estática de uma aula de Cycle? 

Diário de uma grávida #20

Chegamos a meio, yeah! 

Já só falta metade e mesmo assim parece muitoooooo tempo, mas pronto, 20 semanas já cá cantam. 

Pequena Bola D'Unto continua a crescer a uma velocidade estrondosa a este ritmo não se os meus pés aguentam mais duas semanas debaixo das minhas vistas. 

Esta semana tive perfeita noção da minha costela móvel direita, desde manhã até à noite, durante dois dias consecutivos. Muito fixe, sobretudo para respirar. 

Continuo a dormir como um calhau, mas os sonhos estão cada vez mais estapafúrdios. Tenho para mim que o meu inconsciente lhe dá forte nas drogas pesadas quando não estou a ver... 

Começo a panicar com a ecografia da próxima semana, a morfológica, e só rezo para que o médico vejo tudo bem e que o feto não tenha nenhum pé espetado na testa.

A par disso, dava um jeito do caraças se sempre se confirmasse o gajedo enquanto cromossoma, para poder, de uma vez, arrumar com as roupas. 

Há muita coisa diferente nesta gravidez, a vontade de gastar dinheiro é uma delas. Na primeira gravidez, fiz o teste de determinação de sexo fetal às 12 semanas, sabendo logo que era menino. Nesta, não me apetece gastar os 90€ do teste. É a vida! Ninguém disse que ser segundo era fácil. 

Para a semana voltamos com uns resultados de morfológica espetaculares e um feto bem desenvolvido. 

Espero.  

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E este pijama parolinho mais fofo que ainda aperta, hã? 

Desafio dos Pássaros #9

A luminosidade cegou-me através das pálpebras cerradas. 

Os lábios estavam gretados e em ferida. 

Sentei-me a custo, tendo consciência dolorosa de cada fibra que compunha o meu corpo. 

Estava nua, mas inexplicavelmente isso não me provocava incómodo ou pudor. 

Não havia ninguém, tinha a certeza disso. Ninguém me veria despida. 

Estava sozinha. 

Ao meu lado, como se ambos tivéssemos naufragado de um qualquer navio fantasma, jazia um pequeno cofre de madeira velho e carcomido em algumas zonas. Na tampa tinha gravado a palavra "Memórias". 

Instintivamente abri-o. 

Quatro rostos sorridentes olhavam para mim através de uma fotografia. 

Não os reconheci. 

A rapariga loira de olhos castanhos, com rosto sardento era-me familiar, mas não consegui identificar de onde. No verso da fotografia podia ler-se: "Verão '79, Barcelona". 

Peguei na fotografia seguinte: um casal novo, dos seus vinte e poucos anos, felizes e sorridentes. Não tinha nenhuma legenda no verso. 

Seguiram-se mais de uma dezena de fotografias. De bebés gorduchos a crianças desdentadas. De adolescentes com borbulhas a noivos de fato de gravata. Universitários na cerimónia de entrega de diplomas, estudantes no primeiro dia de escola. Mais bebés. Diferentes dos primeiros, mas com traços familiares deles nos olhos, no nariz e no queixo. 

Eram fotografias de família.  

Talvez o mar as tivesse trazido para esta praia. Talvez já cá estivessem quando eu aqui cheguei. 
Guardei novamente as fotografias no velho cofre de madeira. 

Coloquei-me de pé a custo e observei a linha do horizonte de água infinita. 

Talvez um dia aparecesse algum barco para me vir buscar. Talvez um dia conseguisse sair daquela ilha. Ou talvez ficasse ali para sempre. 

Sem pensar em mais nada, mergulhei nas águas calmas e ali me deixei ficar, a flutuar. Deixei de sentir o sol nas pálpebras, os lábios gretados e o corpo dorido. Apenas uma paz que ocupava cada poro do meu ser. 

Desfrutei daquela serenidade tanto quanto pude, decidindo que procurar o dono daquele tesouro de imagens mais tarde. 

Talvez o encontrasse do outro lado da ilha... 

 

 

 

Carta aberta ao meu país

Querido Portugal,

Não sei se já almoçaste, espero que sim, com aquela missiva que recebeste anteontem aposto que ficaste com vontade de fazer jejum intermitente. Se precisares de nausefe apita, tenho um stock jeitosinho...

Portugalito, antes de mais, deixa-me agradecer-te: foi graças à educação que me proporcionaste, que percebi, quase na primeira linha, que aquilo não era um artigo de opinião. Era uma composição da quarta classe de um miúdo que, claramente, copiou e adaptou o discurso do pai, administrador de condomínio do prédio XPTO onde vive.

Obrigada pela minha professora de Filosofia que tanta paixão tinha pela carreira, conseguiu pôr 16 marmanjões e 1 molusco a raciocinar e usar esse músculo tantas vezes esquecido: o cérebro.
Não te vou agradecer a professora de inglês do 7°ano, porque não ensinou que se diz "àpple" e não "aiple", mas agradeço todas as de português que sempre batalharam nas vírgulas antes das conjunções coordenativas adversativas, bem como no crime que é a separação com vírgula do entre o sujeito e o predicado.

De seguida, querido País à beira mar plantado, quero agradecer-te a saúde.
Não, não te vou mentir: tens de te esforçar e melhorar muita coisa. O SNS é um caos e o sistema onde está inserido é um edifício em ruínas. Contudo, nem tudo é negro e eu acredito mesmo que o coração da saúde, o humano, é bem capaz de suplantar a tinta descascada e o buraco no tecto do hospital de Gaia. Podia ser melhor? Podia. E vai ser. Só tens que te esforçar um bocadinho mais, ouvir um bocadinho mais e vir um bocadinho mais o terreno.

Ainda nesta área, obrigada pelo respeito e dignidade com que tratas quem decide, seja porque motivo for, interromper uma gravidez. Falta a eutanásia, mas lá chegaremos. Isso e tornar as vacinas obrigatórias de uma vez por todas. Com calma, eu acredito em ti.

Ainda na minha humilde lista de agradecimentos, constam os políticos. Obrigada pela interminável novela mexicana partidária com que nos presenteias de vez em quando. Obrigada pelos stand ups de comédia gratuitos que são os discursos eleitorais. Obrigada por transformares, tantas vezes, a Assembleia da República num reality show de horário nobre. Não fosse isso e grande parte dos humoristas ficava sem trabalho, mas tu pensas em tudo e não queres que nos falte nada, meu bom amigo.

Agradeço ainda, sem ponta de ironia, a liberdade.
A liberdade de dizer barbaridades com 17 anos, num dos maiores jornais digitais da atualidade e a liberdade de poder refutá-lo e ridicularizá-lo nesta publicação. A liberdade de dizer que o Estado Novo faz parte da história, do qual Salazar foi um governante imponente, mas que não foram tempos gloriosos e que não o queremos, de todo, de volta.
A liberdade para escolher ter um filho sozinha, para abortar, para adoptar numa relação homossexual, para trocar de sexo, para aumentar as mamas, para pôr o glúteo na nuca ou para forjar umas pestanas capazes de provocar furacões na Tailândia.

Acima de tudo, Portugal, obrigada pela internet, pelos jornais digitais e pela informação que rapidamente me entra pelos olhos adentro. Mesmo que às vezes seja uma merda.

Em nome dos Descobrimentos, das batalhas perdidas e dos tratados assinados,

Amén!

A vingança #Amor Proíbido

Paraíso. 

Soube que estava no céu assim que o viu. 

A imagem que trazia guardada na memória, gasta e envelhecida, não fazia jus à sua figura. 

O cabelo negro, levemente ondulado. A tez de pele morena, imaculada, uma barba perfeitamente aparada. Os olhos negros, como duas azeitonas reluzentes, brilhavam quando lhe retribuiu o olhar. 

Era por ele que ali estava. Só por ele valeram os anos de espera para chegar àquele instante em que o tempo pára e tudo parece fazer sentido. 

- Nunca pensei que conseguisses! - disse-lhe por entre lágrimas, num abraço apertado. 

- Por ti, tudo! 

Demoraram-se naquele primeiro encontro, entre risos e gracejos, sempre de mãos dadas, com cumplicidade que caracteriza os grandes amores. 

- Como vamos fazer com o teu pai? 

Finalmente verbalizara a pergunta que tanto lhe perturbava a mente e tantos pesadelos lhe causou. 

Aquela era a pedra no sapato deles. 

- Terá de se habituar. Eu já sou crescidinho... Os tempos mudaram, até para quem vive eternamente. Em última instância, podemos sempre mudar de lugar, um sítio mais quente... Ou não queres, 'Dolfinho? 

- Por ti, Jesus, tudo! Até o vale dos judeus ou o campo de trabalhos forçados eterno. Ao teu lado, meu querido judeu primogénito e amado, qualquer balneário a gás é o paraíso. 

 

 

 

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