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Rudolfo bufou, exasperado.
Já tinha feito mais entrevistas de emprego do que os embrulhos de umas horas de trabalho de um Elfo.
À sua frente já se tinham sentado: um Pai Natal bêbado depois do seu turno no centro comercial, Rita Ferro Rodrigues que lhe limpou a paciência para os próximos três anos com o politicamente correto, André Ventura que tentou ludibriá-lo com discursos utópicos e assertivos, mas dali não levou nada, que Rudolfo é só um antílope e não um peixe. Esteve três infinitas horas com Joacine, apenas para ela lhe dar os bons dias. Quando a conseguiu despachar, colocou o Radio GaGa em loop, só para descontrair. Trump também tentou a sorte, mas recuou quando Rudolfo frisou que "todas as crianças do mundo, incluem também as mexicanas." Seguiu-se Bolsonaro, que saiu chamando a rena de "animal", quando este lhe disse que teria de usar uma política mais sustentável. Até Greta apareceu, cheia de ideias inconcretizáveis e um punhado de embalagens recolhidas das Maldivas, com as quais pretendia embrulhar todos os presentes do mundo. Bonito, mas inconcebível num curto espaço de tempo. Numa das suas pausas para o lanche, ainda esbarrou com Marcelo Rebelo de Sousa, mas o homem só queria um selfie e não o cargo. Do mal o menos, sempre era mais publicidade para atrair mais candidatos ao cargo.
A vida não era justa. Tinha pedido férias ao patrão e justamente nesta semana é que o sacana do velho anuncia a reforma. Engoliu o resto do almoço e bebeu o café de um trago só. O próximo entrevistado esperava-o e tinha grande fé neste candidato.
- Então, diga-me: está disposto a deixar tudo para fazer as crianças mais felizes nesta quadra?
- Eu já não tenho quase ninguém, sabe. A minha família apoia-me e vou sentir-lhes a falta, mas eu sei que ainda consigo fazer melhor e compensar, de alguma forma, os erros que cometi.
- Tem experiência em cargos similares?
- Não com tanta responsabilidade, seguramente. Há uns anos largos, numa outra vida, fiz várias pessoas felizes com sorteios num programa de televisão. Era gratificante poder oferecer alguma coisa a alguém que, muitas vezes, não tinha nada.
- Um programa de televisão, disse?
- Sim, sim. Olhe, até tinha uma ajudante, quase como o Pai Natal o tem a si.
- A Lenka?
- Não, não... - assegurou o entrevistado por entre risos - a minha ajudante era mágica, criou todo um mundo de imaginação à sua volta, as pessoas sonhavam com ela e nem sequer tinha uma curvas tão atractivas como as da Lenka. Fazíamos uma boa parelha. Se conseguir o cargo, vou perguntar-lhe se está disponível para voltar a espalhar magia comigo.
- Ajudas são sempre bem-vindas. E com magia, ainda melhor! E diga-me: crianças. Como se dá com elas?
- Oh, as crianças...! O que gosto de crianças! E de as fazer felizes. São um profundo poço de aprendizagem, sabe? Valorizam as mais pequenas coisas e ensinam-nos que o que realmente vale a pena, o que realmente importa não são os presentes mais caros ou as marcas mais luxuosas: é o momento, o tempo e o carinho que lhes dedicamos. Adoro crianças!
- Há muito tempo que não aparecia aqui alguém com um discurso tão entusiasta sobre a miudagem, sabe. Até deu gosto ouvir. Creio que temos contrato. Vamos só tratar das formalidades e começa... amanhã. Que me diz, senhor... Peço desculpa, relembre-me o nome, por favor?
- Cruz, Carlos Cruz.
Há uma semana Caracolinho queixava-se de dores de barriga.
Calhou ser sempre em alturas de mais ansiedade: um dia antes do passeio da escola, na tarde em que havia aula de música de aberta aos pais... Pouco depois da actividade começar, as dores passavam.
Sábado, depois de uma manhã cansativa, adormeceu no carro.
Acordou a chorar que lhe doía muito a barriga.
Fomos ao médico, com vários cenários na cabeça: desde viroses a cancros vários.
Diagnóstico: nada.
Ou melhor: stress acumulado e ansiedade.
O meu filho tem 'apenas' duas actividades: música e natação. A primeira insere-se no horário escolar, a segunda é ao fim de semana.
Não tem actividades pós escola.
Não seria, portanto, excesso de carga de atividades.
Calha, contudo, ser mês de natal: jantares, lanches, festas, festa de aniversário, um corropio seguido, fim de semana sim, fim de semana sim.
Calha também ter uma mãe ligeiramente acelerada.
"E agora? Como raio vou eu gerir esta merda?! Se ainda fosse uma virose... Agora, stress?! Como é eu combato o stress?! Não há medicamento, não há xarope, não há porra nenhuma."
Ah, a sensação de incompetência, misturada com a sacana da culpa. Uma mistura mesmo fixe e explosiva para a cabeça de uma mãe.
Durou cinco minutos, claro, mas foi inevitável passar por ela.
Dicas úteis de uma prima que enerva de tanta tranquilidade que emana por cada poro:
- Menos ecrãs
- Mais atividades que incluam a interactividade (ver um filme não conta, já que a interactividade é inexistente)
- Ensinar respiração abdominal e não torácica para acalmar os nervos
- E... Chupeta, provavelmente.
Vou explicar melhor o último ponto:
Há umas semanas que o rapaz deixou a chupeta. Fazendo uma retrospectiva a frio, não o fez por vontade própria, mas sim por influência nossa e por, provavelmente, querer agradar. A chupeta era o calmante, funcionava na gestão de ansiedade ou de estados de espíritos menos calmos. Tirou-se um ansiolítico, mas não se ensinou uma alternativa, nem tampouco se pensou que seria demasiada informação: chupeta+irmã.
E a verdade é que, apesar do entusiasmo em relação às catraia, é de facto muita gestão emocional para um miúdo de 5 anos.
Assim, à pergunta "Achas que a chupeta te ajudava a passar as dores de barriga?", a resposta foi um rápido e assertivo: "Tenho a certeza! Posso?".
Autch.
Relativiza: preferes uma caixa de ansiolíticos ou uma chupeta? Preferes um miúdo seguro ou uma pilha de nervos?
A resposta foi óbvia, portanto, a segurança voltou. A par de tudo o resto que falei em cima, mas sobretudo como fonte de segurança e conforto. Pede apenas para dormir, mas honestamente, se pedir no meio de uma situação emocionalmente mais frágil, estou-me pouco borrifando. Não posso exigir-lhe que saiba acalmar-se sozinho já amanhã. É um processo em construção.
Modos que os planos para hoje passam por: zero tarefas domésticas para mim, porque são sem dúvida o meu catalisador de turbo e ninguém morre porque a casa de banho não é limpa há dois dias e mais jogos de tabuleiro, slime ou outra actividade que o puto queira fazer. Sempre com calma. (Oh, céus, quase que sinto o espírito do ioga a fluir em mim... 🤦).
Evitar locais com potencial fonte de stress: centros comerciais, locais muito fechados e outros que tais.
Aprender, também, a abrandar e a gerir melhor a correria inevitável do dia a dia.
Se daqui a uma semana não virar buda reencarnado, juro que meto um processo ao fulano.
Façam aí duas ou três inspirações profundas e abdomais por nós, sim?
E abrandem também, aprendam comigo: ommmmmmmmmmm.
É a 265ª vez que lhes repito o mesmo: não nasci para isto.
Os sacanas insistem: ninguém nasceu, trabalha-se e consegue-se. Depois, mandam-me para mais uma ronda.
Não aguento mais. Já não sinto as pernas, falta-me o ar, sinto-me a colapsar de dentro para fora. Como é que eles não vêem? Como é que eles não percebem que, se continuar assim, vão acabar por me mandar para a morgue, ou pior para o hospital? Como é possível ignorar as dores de uma pessoa assim desta maneira tão vil?
Como numa espiral de euforia que nos leva a loucura, a música continua. Grita aos nossos ouvidos, impelindo-nos mais um pouco para diante. Há sempre um olhar de compreensão que se troca com um colega, na impossibilidade de articular qualquer palavra. Estamos todos no barco, custa o mesmo a todos. Saber disso, mesmo não atenuando a nossa agonia, ajuda a suportar o peso com que nos carregam as costas.
Olhamos em frente, em busca de novas ordens, exaustos, derreados e já a ver a luz ao fundo do túnel - não a da esperança, a outra que os moribundos alegam existir.
- Não nasci para isto - repito novamente para mim.
- Não desisssstteeeeeeeee! - é o grito que se ecoa pela sala, com um olhar reprovador sobre quem tem a audácia de respirar um bocado.
- Mais oitoooooo!
- Não nasci para isto - penso, enquanto conto o número de cobras, sem sentir os braços.
Finalmente, termina.
Como se sofrêssemos de amnésia, agradecemos ao nosso carrasco, elogiando o seu trabalho e prometendo voltar. É sempre assim: quanto maior o desafio, maior o vício. A mente sai leve, não sentimos nada e nem sequer sabemos como vamos descer escadas no dia seguinte. Nesse momento, temos a certeza: mesmo não nascendo para aquilo, é exactamente daquilo que precisamos.
(texto inspirado numa qualquer aula de crosstraining. Ou Power. Ou Jump. Ou Fitness, no geral.)
Comecei isto em dezembro passado, creio que tem dois capítulos, mas depois passou-se o timming natalício e deixou de fazer sentido.
Este ano termino a saga "E se a Imaculada Concepção Fosse Hoje?"
(Não recomendado a pessoas com sentido de humor enfraquecido ou que se ofendem com humor religioso)
I Capítulo
9:00 da manhã, na reunião de Conselho Celestial:
Deus: - Miguel, quero um filho. Vai lá baixo e trata-me disso, por favor. Leva o Espírito Santo contigo.
Miguel: - Outra vez eu?!
Deus: - Sim, outra vez tu. Tens algum problema com isso?
Miguel: - Por acaso tenho. Começamos por onde? Pelas horas extra que fiz para encontrar o Daniel no meio daquele jejum maluco que o gajo fez no deserto?! Ou pelos treinos bi-diários a que me sujeito para a batalha final que nunca mais chega? Onde está o MEU momento de glória que prometeste quando me contrataste, hã? Estou estagnado na minha carreira desde as profecias que me anunciam e isso é injusto!
Deus: - Outra vez essa conversa? Queres falar de horas de extra? E as que EU fiz para VOS criar?! O tempo que dispendo constantemente para a vossa formação, o meu esforço e criatividade em milagres capazes de nos sustentar por milénios. Perpetuei a tua imagem, vives dela e tu vens-me agora com sindicalismos e reivindicações? A mim?!
Miguel: Eh pá, não me venhas com tretas... O milagres também te deram jeito e nós todos contribuímos para que o teu bom nome sempre fosse salvaguardado. Mesmo quando Lú...
Deus: Parou! Não te admito que me fales nesse tom, muito menos que menciones a concorrência! Se não queres trabalhar, há mais quem queira e sem um terço das tuas lamentações. Há quem vista genuínamente esta camisola e não esteja aqui só à procura de glórias, sabias? Agora desaparece-me da vista antes que eu me esqueça quem és e te retire a promoção deste mês. E podes dizer adeus às férias do próximo ano.
Gabriel: Senhor meu Deus, considera que tenho capacidade para tarefa tão magnânima? Muito gostaria de o ajudar na concepção de alguém capaz de o ajudar nesta árdua tarefa de liderança do céu.
Deus: Tazaver Miguel? Há sempre quem queira trabalhar... Vai Gabriel. Que o Espirito Santos te acompanhe, leva uma manta que faz frio lá em baixo. Falamos do r€sto quando voltares. Se tiveres cumprido bem a missão.
O vento soprava furioso e impedioso, arrastando consigo o inverno gelado.
Ana, que mal conseguia andar, vislumbrou ao longe Kristoff e forçou as pernas na sua direção.
Ao mesmo tempo, Hans desembainha a sua espada para o último e derradeiro golpe: aniquilar uma Elsa vulnerável.
Numa última tentativa de fazer o que está certo, num último grande gesto de amor verdadeiro, Ana defende a irmã, congelando ao último suspiro.
- Resultou? - pergunta por cima do ombro.
- Tal como previste querida. És um génio! Mas... E agora? Ela não vai descongelar, já que este foi o seu último acto de "amor verdadeiro?" - questionou Hans.
- Querido, por algum motivo eu nasci com poderes e não a tonta da minha irmã.
Aproximando-se da estátua gelada de Ana, Elsa canta sinistramente enquanto pequenos flocos de neve que saem das suas mãos se acomodam na pele gelada da irmã:
Vem fazer bonecos de neve?
Há um que é só teu
- Magnífico! - aplaude Hans - E... os outros? - questiona apontando para Kristoff, Olaf e Sven.
Elsa encara, pela primeira vez depois daquele momento, os três pares de olhos que a fitavam com desconfiança, horror e estupefacção.
Numa atitude algo teatral e cuidadosamente encenada, pergunta:
- Oh! Não me apercebi que estavam aí... Que horror! Que fui eu fazer? A minha única irmã...!
Olaf abriu a boca para tentar falar, mas um raio de gelo atingiu-o antes sequer de o conseguir fazer.
O mesmo aconteceu à rena e ao dono, eternamente convertidos em estátuas geladas, quedas e mudas. Para sempre petrificados.
- Achas que cabem no jardim do palácio, querido? Não me apetecia olhar para eles sempre que estiver no salão.
- Arranja-se maneira, meu pequeno floco de neve. Tratas da nuvem de inverno para os manter assim e eu trato de os colocar a decorar o jardim. Vai ficar lindo no Natal!
Cinco coisas que o Caracolinho faz mesmo muito bem (ditas pelo próprio):
- Pôr autocolantes.
- Ler algumas historinhas.
- Lavar a louça.
- Montar puzzles.
- Dormir.
Cinco coisas que gosta muito de fazer:
- Bolos e queques
- Brincar com os amigos
- Ver macaquinhos na sala
- Brincar com os meus peluches
- Brincar às escolas
Cinco coisas que gostava de poder ter:
- Uma gata chamada Maria
- Uma égua e um cavalo
- Um burrinho
- Uma irmã
- Um girafa
Cinco coisas que quer fazer quando for crescido:
- Ir ao Jardim Zoológico todos os dias
- Fazer roupa
- Andar de avião
- Ver a neve
- Aprender espanhol
Quer ser Oculista quando for grande.
Bom, a irmã está em andamento, o resto... Vai esperando. 🤦
Parabéns rico filho, que sejas sempre muito feliz e que mantenhas sempre esse teu bom humor. Obrigada por tudo o que nos dás, todos os dias, e por tanto que nos ensinaste nestes cinco anos. ❤️
(Mas se calhar escolhias outra profissão, está bom? 😉)