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Em primeiro, porque isso vai implicar colocar muita gente no mesmo saco, como se fossemos todos incapazes de raciocinar e usar a inteligência para fazer o correto.
Em segundo, porque isso bate no ponto fulcral para conter qualquer pandemia: a educação. Nunca neste país houve tanto acesso ao ensino superior, há doutores a torto e a direito, há mais licenciados do que eletrecistas de jeito, mas de que adianta ter um diploma se não sabem distinguir o há do à? Ou pior: o poder do dever? Onde falha a educação? Não sei, honestamente. Nem tenho solução para isso. Só sei que tenho dois filhos e não este o caminho que quero para eles. Quero que questionem, porque é assim que se aprende, mas não quero que duvidem de tudo e todos. Onde se atinge o equilíbrio? Estou longe de saber.
Segunda-feira, 18 de Janeiro de 2020, o primeiro ministro de Portugal, António Costa, passou sermão aos portugueses. A gente adulta, capaz de votar, mas incapaz de ter o discernimento de perceber que podiam ir buscar o cafézinho ao tasco dos costume, mas não podiam ficar em amena cavaqueira à sua entrada, provocando pequenos aglomerados. A gente adulta, capaz de votar e que sabe que não se deixa uma panela ao lume sem vigilância, mas que não soube perceber a diferença entre um passeio pela vizinhança, uma volta ao quarteirão, e uma caminhada aos magotes pelas marginais deste país à beira mar plantado. Vou voltar a repetir: levamos sermão porque não soubemos a diferença entre poder e dever. Porque usamos a inteligência para o habitual chico espertismo de contornar leis que, apesar de pouco muscaladas, eram simples de perceber. O impacto dos actos deste fim de semana não se reflete só nos números do boletim epidemiológico. Reflete-se também no apuramento diário do caixa daquele café que se viu obrigado a fechar o postigo à bica; no pronto a vestir, que já não pode abrir a porta e passar o saco com a encomenda ao cliente; no Manel que tinha consulta de rotina e a viu adiada mais uma vez, na Maria que já não consegue marcar uma ecografia há mais de um mês e vê o seu diagnóstico arrastado no tempo. Aquilo que apregoam os economistas de vão de escada, o "ai que vamos esquartejar a economia e vamos todos morrer à fome", tal como o que gritam os médicos licenciados pelas redes sociais, aquele "então e os doentes não covid? Ninguém quer saber?", isso tudo, a economia, a saúde não covid, até a saúde mental, ficou pior porque não soubemos distinguir o poder do dever. E isso é terrivelmente triste, roça o humilhante e faz-nos parecer a pré - escola da Europa.
Não me surpreendia que na próxima reunião em Bruxelas, para distribuição de fundos, alguém sugerisse entregar-nos plasticina e lápis de cera. Não agimos como gente adulta, capaz de votar, responsável por saber que não se deixam panelas ao lume sem vigilância. Agimos como miúdos de jardim infantil, sem preocupação com os outros, com egoísmo, sem querer saber se o Tiago tem lápis de cor, desde que o nosso tenha o bico impecável e ainda pinte está tudo bem.
Somos o pré - escolar da Europa, mesmo com doutores em cada esquina. E eu, muito honestamente, tenho medo que no próximo domingo os miúdos que não sabem distinguir o poder do dever, não se dirijam às urnas. Ou pior: que o façam sem pensar, porque "podem votar em qualquer um", sem consciência que "não devem votar em qualquer um".
Pode ser que um dia cheguemos, pelo menos, ao ensino primário. Enquanto isso, continuamos a brincar no recreio, sem preocupações de gente adulta e mesquinhices de crescidos responsáveis. Se morrer alguém pelo meio, azar, chora um bocadinho que passa e amanhã há mais recreio.