A mesa estava posta. O jantar estava pronto. O aquecimento estava ligado. Era mais fácil elaborar a lista de tarefas mentalmente, a última coisa que queria era estragar aquela noite. Afinal, não eram todos os dias que se celebravam 20 anos de casamento. Olhou em volta da pequena cabana, satisfeita com o resultado.
André ia adorar!
Era o seu lugar preferido, as suas flores favoritas e o seu prato predilecto. Iam ter que apertar o resto do mês, mas pelo menos hoje poderiam refastelar-se na carne tenra de um cabrito assado. De regresso ao quarto depois de um banho quente, Sara vestiu o vestido verde esmeralda que o marido lhe dera num Natal. “Condiz maravilhosamente com os teus olhos” – elogiara André. Estremeceu ao recordar o som pesado da sua contra o seu pescoço. A mãos hábeis que lhe desapertaram o vestido, desembaraçando-se dele de uma só vez. A língua atrevida e destemida, redescobrindo cada pedaço de pele nu, saboreando os seus recantos mais escondidos. Forçou-se a parar por ali antes que perdesse o controlo e terminou de pentear o cabelo. O crepúsculo conferia à pequena cabana uma tonalidade alaranjada, quente e aveludada. Acendeu as velas do parapeito da lareira e colocou o castiçal na mesa. Do velho frigorífico, já gasto e com ferrugem em algumas zonas, tirou um Planalto fresco que abriu sem demora. - Um destes dias este velhote tem que ir para a reforma. – dizia constantemente André. Sara refutava, alegando que a idade trazia personalidade e conferia carisma ao velho frigorífico. Era das poucas peças que a cabana possuía quando a compraram, das poucas a que Sara se apegara. Estava com eles desde sempre, tal como aquele esconderijo que há 20 anos se tornara o pequeno tesouro deles. A noite caiu estrelada, com quarto minguante perfeito. André iria adorar. Talvez pudessem observar as constelações, depois do jantar. De volta à pequena sala, Sara colocou o jantar na mesa. Cheirava divinamente. Sentou-se, aspirando novamente os aromas familiares e reconfortantes da pequena divisão. Tabaco, madeira, comida caseira, canela e maçã. Absolutamente perfeito e tal qual se lembrava, desde sempre. Sorrindo, serviu-se de carne e batatas. Encheu o copo de vinho, levantando-o num brinde imaginário à figura que a fitava atravésda moldura colocada no local onde estaria o segundo prato.
- Então, mas afinal que raio se passa aqui? Estou aqui há duas vidas e meia e esta porra desta fila não anda! Ainda por cima está um frio de morte, até parece que quinou algum judeu por aqui. Para cúmulo, estou cheia de fome, já comia uma sandocha de carne assada.
- Tenha tento nas palavras, menina. Há coisas com as quais não se devem brincar e o assunto ali à frente é sério.
- Perdão, Virgem Santíssima. Espero que o Céu lhe abra as portas e não se esqueça de reagrupar lá as Capazes todas.
Ignorei o sururu atrás de mim e segui em frente. Há guerras que não vale a pena comprar, mesmo tendo a eternidade pela frente.
Lúficer, S.Pedro e Hitler continuavam a já entediante e morosa discussão. Há anos que estão nisto. Se Adolf não tivesse aniquilado milhões de judeus em trabalhos forçados, de certeza matava o dobro de tédio nesta fila interminável.
- Méns, ainda a mesma discussão? Francamente, parece que estamos todos na primária! Qual é a dúvida?
- Lúcifer continua na teimosia de não levar este... Senhor... Lá para baixo.
- Escusas de passar as culpas para mim Pedrocas. Já fiz o favor de ficar com Judas e engoli em seco o Estaline. Este levas tu.
- Pedro, mén, o Luce...Ifer, o Lúcifer tem razão. Lá porque Ismael tem a fama de anjo mau, não quer dizer que tenha as asas mais largas. Não é justo.
- E achas, por acaso, meu querido querubim em forma de molusco, que o Paraíso é para almas como ele?
- Olha, por acaso até acho. Iavé, segundo a palavra escrita por vocemesses, é grandioso em amor, benigno e benevolente. Achas que não daria uma segunda oportunidade, inclusivamente, a este grandioso senhor?
Aproximei-me mais do santo, sussurrando-lhe ao ouvido:
- Além disso, Pedro, escuta bem o que eu te digo: Lúcifer tem as brasas, mas tu não tens nada, nem ninguém que te faça um churrasco de jeito. E o homem tem mão para a coisa. Aqueles fornos foram uma obra dos diabos! Sem ofensa, Luce.
- Não me ofendi.
Pedro salivou, qual cão de Pavlov. Raios, há anos que não comia um bom churrasco, Belzebu levara as brasas todas com ele quando fora expulso pelo Criador e nunca mais o Paraíso tivera um bom encontro com comida nas brasas.
- E se o Boss descobre?
- Pedro, Pedro, Pedro... Há quantos anos trabalhas tu aqui? És praticamente um escravo dele, mén. Orienta-te! Revolta-te! faz as coisas pela tua cabeça uma vez na vida, caramba! Aliás, até podes soltar o gajo umas horitas por dia, lá no vale dos judeus. Só naquela... A ver como corre, tajabere?
- Perfeitamente, perfeitamente... Diz-me, meu pequeno anjo ranhoso, queres um lugar aqui também?
- Oh Pedro, que querido! Cá abracinho, mén! Obrigada! Mesmo cá do fundo, obrigadinha. Mas eu mereço o inferno. E não me incomoda o calor. Devo ter alguns amigos lá em baixo e aproveitamos para fazer um roast - o do humor e o da carne. Aparece, se quiseres. Pode, não pode, Luce..Ifer, Lúcifer?
Sentem-se, sentem-se. Não sei se tenho cadeiras para todos, mas fazemos uma rodinha aqui no pátio.
Querem comer alguma coisa? Uns biscoitos ou um pãozinho com manteiga?
É um chá? Vai um chá?
Não?
Pronto, então vamos lá.
Ora bem, eu sei que o tema para esta semana...
Calma, calma, calma. Deixem-me terminar.
Dizia eu, que sei bem que o tema desta semana é obra do demónio das letras.
Menos, vá acalmem-se lá, que assim não vamos a lado nenhum.
Eu também não sei quem fui que inventou estes temas de Belzebu, mas o desafio é mesmo este: sair da caixa e da zona de conforto. Contornar o problema não o vai resolver, o melhor é mesmo pegarem nele de frente e darem-lhe o melhor fim.
Eu acredito, mesmo, que todos serão capazes de o fazer e que teremos mais uma semana com muito bons textos.
Não tenham medo: é só um tema. Não tenham meda das palavras, da parvoíce, do não faz sentido... Porque, na realidade, só cá estamos para nos divertir e o que não faz sentido é a absurda taxa de abstenção nas eleições, tudo o resto pode perfeitamente existir em perfeita harmonia.
Vá, ide em paz e que o senhor da imaginação vos acompanhe.
Tende sempre em mente: são 17 semanas... Haverá, com toda a certeza, temas ainda piores.
E agora, vai um chazinho de camomila? 🙄
Nota: por favor, não falar especificamente do tema em concreto, antes de sexta feira, seja na forma de comentário a esta publicação ou em qualquer outra.
Nota II: podem fazer fila para me bater, mas se calhar esperamos por março, pode ser? 😜