Antes de continuar, deixem-me esclarecer: isto não tem carácter ofensivo, insultuoso ou desvirtuoso. Cada um acredita no que quer, como quer e terá fé no que lhe faz mais sentido. Se são religiosos, se respondem defensivamente a qualquer pergunta, talvez seja melhor não continuarem.
Não sou crente. Não tenho qualquer espécie de fé em Deus, em nenhum deles, e muito pouco me dizem as estátuas erguidas em nome de santos. No entanto, gosto de religião. Gosto de saber o que deu origem a quê, quem formou o quê, em que acreditam, porque acreditam e em quem acreditam. Sei que parece um contra senso, mas sou mesmo assim, tenho infinita curiosidade e a religião é apenas uma das áreas que me cativa. Sucede que tenho uma dúvida, à qual ainda ninguém conseguiu responder (relembro que, apesar de laico, vivemos num país maioritariamente cristão, onde predomina a religião católica): Afinal, quem é Fátima? Não revirem já os olhos de fastio, é uma pergunta genuína e que merece uma resposta fácil.
"Nossa Senhora é a mãe de Deus nosso senhor" - é quase sempre a resposta que obtenho.
Por partes: vou assumir que, por Deus Nosso Senhor, esteja implícito Jesus e não Deus efetivamente (isso já nos levaria a outros cadernos...): então, mas o nome da senhora não era Maria? Afinal, era Maria ou Maria de Fátima? Maria de Fátima não faz sentido nenhum, quando muito poderia ser Maria de Belém, mas às tantas era confundida com a primeira dama e não dá jeito, que já se sabe que não mistura religião com poder político (pois...). Mas já estou a divagar. Estão a perceber a minha dúvida? Ok, há montes de Santos que ninguém conhece nem lhes sabe a história, mas rapidamente se percebe o que lhes deu origem. E Fátima? É nossa senhora. Que também é Maria. Mas que não era Maria de Fátima ou Fátima Maria. Não é estranho? E mais estranho é num país onde o nosso vizinho, mesmo sendo não praticante (pois, de novo...), se declara católico, frequentou, pelo menos, 4 anos de catequese, e nunca de lembrou de perguntar qual era afinal o nome completo da Santa! O mais certo era espetarem-lhe com um "Palavra do Senhor" em jeito de "Tá calado moço que aqui ninguém pergunta. Acreditas e mai nada", tão bem conhecido do nosso clero. E não me venham dizer que não é assim. Já fiz esta pergunta ao padre da freguesia e o tive como resposta "os caminhos do Senhor são insondáveis". Pumbas, vai mas é para casa estudar matemática que isto da religião é muito difícil para miúdas e não queremos cá perguntas.
Portanto, continuo na minha ignorância (verdade que ainda não pesquisei a fundo, de certeza que há alguma explicação, algures): Quem é Fátima?
Preciso disto, preciso de gerir a emoção, de colocar tudo no sítio certo e as palavras ajudam nesse sentido.
Estou cansada, o corpo pede o colchão, mas os dedos querem o teclado.
Estou cansada, mas nunca me senti tão bem. Inacreditável, não é?
Estou emocionada. Verdadeiramente emocionada. Corri nove quilómetros. Nove. Em pouco mais de uma hora.
Sei que muitos dos que me lêem correm bem mais que isso, sei que não é uma maratona, nem sequer uma meia, tampouco um trail. É só uma corrida de 10 km, numa terra que quase ninguém conhece, mas que tem as subidas mais implacáveis que já vi.
Nunca corri.
Nunca.
Demorava uma eternidade a fazer o teste do cooper em educação física e fartava-me de caminhar numa tentativa vã de fazer o tempo passar mais depressa. Aldrabava as voltas à escola, engonhando sentada nas escadas a fazer tempo para retomar "a corrida." Sempre fui "a caracol", por isso: pela falta de empenho e motivação no exercício físico.
Sempre achei que não precisava disto para nada, bastavam-me as palavras, as baboseiras debitadas num tasco praticamente anónimo.
É por isso que cada quilómetro, cada metro percorrido, são uma alegria, uma festarola. E é por isso também que isto não 10 km, são OS 10 km, os primeiros e os mais especiais. Mesmo que faça disto rotina, que consiga fazer mais metros ou menos tempo, estes ficar-me-ão guardados na memória, na gaveta das ocasiões especiais. Não tenho a menor dúvida.
Tal como a corrida de hoje.
Éramos poucos, menos que o costume. Faltavam alguns compinchas fofinhos cujo ritmo sou capaz de acompanhar e chegou-me logo a informação de que seria "o percurso total".
Engoli em seco. Só lá estava "malta da pesada", como raio ia eu ter pernas para os acompanhar?! Ponderei seriamente a ideia de arranjar uma dor de barriga e ficar por ali. Mas não. Fui, mesmo com medo.
Medo do número. Dez mil metros é um número gigante. Saber que o objectivo era esse, que seria cada um no seu ritmo, deixou-me com algum receio de desmotivação.
Medo de ficar sozinha. Ali a meio, dei-me conta que, caso parasse ou ficasse demasiado para trás, ficaria efectivamente sozinha. Não havia mais ninguém atrás. Não tinha medo de me perder, óbvio que não, mas senti claramente a desmotivação aproximar-se. Parte da segunda metade foi em grupo, em silêncio, cada um lutando contra os seus próprios demónios e enfrentando o alcatrão.
Tive que abrandar e caminhar uns metros a meio da subida. Não fui a única e isso deu-me algum alento.
Éramos dois, cansados, esforçados, pensando que era só mais um bocadinho.
Não recomeçamos ao mesmo tempo, foi ficando para trás, ainda que ligeiramente, muito ligeiramente, mandou-me correr, que ia bem.
Corri parte do trajecto sozinha, espreitando por cima do ombro, e foi aí que me dei conta: mesmo que ficasse sozinha, eu conseguiria continuar. Mesmo que tivéssemos os papeis invertidos e eu fosse atrás, era capaz de não desmoralizar. De seguir em frente, por muito que doa, por muito que custe. Foi aí que me dei conta que, de facto, é por mim que facto faço isto. Pela superação, pelo sentir que sou capaz, que tenho pernas para semelhante. Foi como se tivesse renovado a energia que não tinha. Apeteceu-me parar, mas as pernas moviam-se sozinhas, numa passada que pareciam saber desde sempre. Podia dizer que foi espectacular, mas não chega. Foi mais.
Chegamos juntos ao ginásio, numa caminhada ligeira a contar os últimos metros, ainda a tentar respirar convenientemente, mas a falhar redondamente.
Por isso, hoje, quero escrever para não esquecer: eu sou capaz.
Não sei se sabem, alguns talvez sim, outros nem por isso, mas eu a-do-ro música brasileira, bate forte cá dentro, bem lá no fundo, ao pé dos calcanhares. Gosto tanto, mas tanto, nem implico nada com o brasileiro cheio de dîs e de jês e diabo a sete mais o gerúndio e os caras para cima e para baixo. Já conseguem perceber o grau de amor que temos, não já?
Agora, conseguem adivinhar a nova paixão acústica do Caracolinho?
Ou então estou com um pico dramático-histérico-de-gaja.
Tenho um casório amanha, não sei se se recordam, e depois de umas mudanças de ultima hora no visual do homem, de trocas e baldrocas com as minhas sandálias eis que:
- me nasce uma espinha no queixo. Não meus amigos, não é uma borbulha, é uma espinha. E das bravas. Mais parece o monte de Vesúvio. E não estou a exagerar.
- depois de quase dizimar a espinha (recomendaram-me um produtinho ultra milagroso para as sacanas, quando puder falo dele), aparece uma herpes.
Olha a puta da sorte! Rais parta!
Do mal ao menos, não é das bravas e já ataquei com fenivir sem dó nem piedade, mas o que se segue? Um treçolho? Um quisto sebáceo na testa? Uma queda no adro da igreja?
Só me faltava logo estragar a roupa com o ferro. É que era só o que me faltava!
Cada um escreve como sabe, como lhe parece bem, como lhe soa melhor e continuamos sem ter voto na matéria. Mas - há sempre um mas e um bedelho intrometido - porquê, PORQUÊ, usar sempre pontos de exclamação? É que uma pessoa chega ao final do texto já cansada com tanta admiração, tanta surpresa, tanta emoção! Dêem descanso ao bicho e ao nosso fôlego, já agora.