Corridas
De manhã, pela fresca é que elas são boas:
Olho para o relógio e percebo que já vou sair na queima, ali naquela hora mesmo à justa para entregar o miúdo e voar para o trabalho, gatafunho na caderneta a hora da última refeição, enfio-a de novo na mochila, acrescento o Estrelinha e fralda de pano, penduro a mochila ao ombro, pego no puto, açambarco a mala e corro para a saída mais próxima. Rapidamente me apercebo que me falta o lanche, e ai de mim sem comida, quem me tira o lanche tira-me tudo; volto à cozinha, o petiz ao colo, a mochila ao ombro, a mala na mão; enfio duas nectarinas e um iogurte na mala, volto para porta da rua e... Ai que me falta a chave do carro, volta para trás, já a bufar, vou ao chaveiro, não está; vasculho melhor, não, não está mesmo; se calhar deixei no quarto do moço, vá de ir lá verificar, não está em cima da cómoda, não está em cima da cama, não aqui não está; talvez tenha deixado na sala quando fui busca-lo, e lá fomos nós, eu, ele ao colo, a mochila ao ombro, a mala na mão e o lanche a querer saltar, para perceber que também não estava na sala. Mas onde raio a chave se enfiou?! Olho de relance para o relógio, percebo que estou meeeesmo na queima, sento o miúdo no tapete da sala - que deve ter achado um piadão a este carrossel - começa a choramingar que quer o comando da televisão, agora não Mário, temos que bazar; despejo o conteúdo da mala no sofá, rais parta a porcaria da mala, sempre cheia de tralha, logo à noite a ver se lhe dou um jeito e ficar mais arrumada; rebolam as nectarinas para o chão, vasculho entre a pilha de papeis, bolsas e bolsinhas que lá habitam e nada de chave.
Finalmente, tenho o reflexo de apalpar os bolsos das calças,ah!, cá está ela, a malandra, sorrateira enfiou-se na algibeira! Vá de tornar a atulhar a mala, apanhar as nectarinas, uma está aqui, a outra não sei, paciência vai só uma, pegar no puto sair, finalmente, de casa.