Desafio dos Pássaros 3.0 - Tema 1
Nunca imaginou ser possível sentir tanta paz e serenidade. Sempre lhe guiaram as ideias para o caos, para o cada um por si, para o pesadelo de qualquer doença.
Do seu quarto, no quinto andar do hospital, Amadeu via o céu. Apenas uma réstia dele, é certo, só uma pequena franja de azul entre dois edifícios cinzentos, mas era aí que focava o olhar dias a fio.
Não conhecia o rosto de quem o tratava, mas isso já sabia que seria assim. Dias houveram, em que essa incógnita e desconfiança pelo fato branco o atormentavam, numa angústia pela impotência e ignorância do que o aguardava. Outros tantos dias, deixava a mente pairar sobre a inexistência. A sua, claro, e dos colegas de enfermaria. Acontecia sobretudo nos dias em que um lençol branco numa maca era conduzido para outro andar, bem lá no fundo do edifício, recordando aos enfermos a gravidade e o poder de quem domina aquela ala de cuidados intensivos.
A porta abriu do quarto abre-se com um chiar suave e o médico vestido com um invólucro de plástico, dirige-se ao leito de Amadeu.
- Agora já vou tarde, mas se fosse hoje, tinha-lhe colocado "cápsula revestida" como alcunha - gracejou num ténue fio de voz.
- Não faz Sr Amadeu, ainda vai a tempo. Mas olhe que eu já tinha um certo carinho pelo Pintor de Compressão da Ala Covid.
Sorriram, sabiam que estavam apenas a matar tempo, adiando o inadiável.
- Está na hora, Sr. Amadeu.
Assentiu, conformado. Fixou novamente para a franja de céu pela janela, não sabendo se ou quando voltaria a vê-lo, mas desejando gravar aquele azul para sempre na sua memória. Sonharia com ele enquanto estivesse inconsciente, tanto tempo quanto a inconsciência durasse.
Sorriu e com uma serenidade que nunca lhe disseram ser possível, aceitou de bom grado o sono imposto.