Experiências #1
6:30 da manhã e o despertador toca na sua habitual tarefa de acordar a casa. Na imensidão do silêncio, o baixo beep contínuo do aparelho assemelha-se a um altifalante em dias de romaria.
Ainda naquele limbo que separa o sono do despertar, Tomás ignora o som. Sabe que Carolina o desligará em breve, enquanto se levanta quase num pulo. É sempre a primeira a levantar-se, enquanto toda a casa vai acordando, aos poucos. O cheiro a café acabado de fazer espalha-se pelas divisões, num último chamar da moleza matinal, arrancando-o dos lençóis a custo. Carolina brinda-o com um sorriso e um beijo mecânico, daqueles automáticos mas que já fazem tão parte dos dias que se torna impossível arrancar sem eles, ao mesmo tempo que prepara a lancheira da miúda. Trocam entre si trivialidades do dia que os espera: as reuniões dos empregos, o que irão cozinhar ao jantar e qual dos dois se despachará mais cedo para apanhar a miúda na escola.
As manhãs são uma correria, mas aqueles minutos em partilham o café encostados ao balcão da cozinha parecem estender-se no tempo. São o motor para o resto e talvez o único momento em que estão ali e se escutam mutua e efetivamente. À luz dos primeiros raios da manhã, a cozinha adquire uma luminosidade amarelada, quente, confortável, que contrasta com o frio que se faz sentir lá fora, num tipico dia de dezembro. Perdido nos seus pensamentos, Tomás dá consigo a pensar que os anos foram generosos com a mulher. Não era uma brasa, tampouco tinha o fulgor de outros anos, mas havia uma certa chama que ainda lhe brilhava nos olhos quando sorria. Tinha pequenas sardas à volta do nariz que se acentuaram depois da gravidez de Maria, que ela carinhosamente tratava por "marcas de guerra" e que muito raramente tentava disfarçar com maquilhagem. O cabelo mantinha o vigor e a vida própria que sempre teve, tal como a sua personalidade intrincada e volátil. Mesmo assim, sabia que não poderia ter feito melhor escolha quando, naquela tarde de verão lhe pedira para passar o resto dos dias a seu lado. Nunca, nem na pior das discussões, se arrependera de ter tomado tal decisão. Como se um passe de dança ensaiado e ritmado se tratasse, terminam o pequeno almoço e colocam a loiça na máquina. Tomás vai acordar Maria, enquanto Carolina termina de se arranjar. Mais uma manhã normal e comum, numa banal segunda feira.
O despertador toca de novo. Letargicamente, Tomás cala-o pela quinta vez nessa manhã. O visor de ponteiros luminosos diz-lhe que passam quinze minutos das sete, as memórias dizem-lhe que já há muito deveria estar a pé e trazem-lhe às narinas o cheiro de um café que ficou por fazer. Não sabe quando ou se voltará a levantar-se. Sobrevive apenas entre o vazio da casa e alegria das memórias, dominado pela saudade e queimado pela dor. Fecha de novo os olhos, numa tentativa fugaz de que o sono lhe leve o presente e lhe devolva o passado. Desliga de vez o despertador, antes que volte a tocar e o arranque de novo do sonho a que pretende voltar. O sonho do que fora, em tempos, a sua vida.
O texto que acabaram de ler é totalmente ficcionado e inventado ppela minha pessoa. Uma experiência incentivada por uma amiga querida que acredita na minha mão para as palavras, um bocadinho mais do que eu. :) E vocês? Sim, não talvez? Digam cenas!:)