Experiências #12
- Bom dia Sr. Ventura. Já ligou a máquina do café?
- Olá bom dia Carolina. Já sim. Pode ir tomar o seu cafézinho.
- Obrigado.
Carolina dirige-se à copa, tira um café e aguarda pacientemente que o estagiário lhe traga o o resumo das informações que lhe pediu.
- Então, que novidades tens para mim?
- Carolina, fico muito feliz por lhe dizer que não, o seu marido não a anda a trair. Esta semana, não fez uma única chamada que não fosse de trabalho ou para si. Nem para os pais dele telefonou. O telemóvel dele nunca esteve numa zona que não fosse a vossa casa ou o escritório. O histórico de internet não revela nenhum site esquisito e nem as pesquisas no Google por mulheres foram relevantes. Pesquisou oitenta e três vezes pela advogada do processo do clube de futebol e cento e vinte e nove vezes pela procuradora do Ministério Público do processo da lavagem de dinheiro.
- De certeza? Ele não me está a enganar?
- Carolina, andamos nisto há dois meses. Todos os dias passo horas intermináveis ao frio apenas para ver o seu marido a sair do escritório sozinho com um ar alheado, entrar no carro, conduzir até sua casa, depois vou para casa, faço o que me pediu, espio-o, acedo inclusivamente à webcam para o ver a trabalhar como um condenado. Sabia que, cada vez que ele pega numa caneta para tirar um apontamento, ele pega nas outras oito canetas que tem na secretária e arruma-as, uma por uma? São nove canetas. Todas de cores diferentes. E ele arruma-as todas da mesma maneira, sempre na mesma ordem. Sempre. E eu já sei a ordem das canetas todas. Azul, preta, vermelha, amarela, verde, laranja, rosa, castanha e corrector. Sempre na mesma ordem. Sempre com o bico virado para a impressora. Sabia que sempre que o seu marido liga o computador, ele abre a gaveta da direita, retira um bloco A4, escreve a data no campo superior direito com a caneta preta, pega nas nove canetas, arruma-as uma por uma, insere a password no computador, que é a data do vosso casamento e o nome da vossa filha em letras minuscúlas, entra no google, escreve o nome de alguém, tira uma nota com a caneta azul, pega nas nove canetas, arruma-as uma por uma…
- Já percebi, já percebi. O meu marido tem manias. Portanto, estás a garantir-me que o ele não anda a trair-me nem anda em chats nem em Tinders nem o raio que o parta.
- Nada Carolina. Nem uma aplicação, nem um Facebook, nem um Instagram, nem um Twitter. Na-da.
- Obrigado Sérgio. Muito obrigado. Não me esqueci do nosso acordo. Amanhã, supostamente, saio às três da tarde. Vou ficar a fazer horas extra no gabinete do Director de Programação, que vai estar toda a tarde em reuião com a Direcção de Conteúdos e a Direcção de Publicidade. A partir das três, podes ligar-me para confirmar se já lá estou para te mostrar o que é que eu faço no programa da Judite. Agora tenho de ir preparar o programa da manhã.
Carolina dirige-se à secretária e liga para Sofia, para mais uma vez desabafar que está enganada, mas a sua amiga, desde que se enrolou com o jogador de futebol, nunca mais lhe atendeu as chamadas durante o horário de expediente. Em desespero, faz uma coisa que não lhe é habitual. Liga para o seu marido. Ao fim de dois toques, uma voz entre o surpreendida e o assustada atende o telefone.
- Estou? Carolina? Está tudo bem? Algum problema com a Maria?
- Olá Tomás. Está tudo bem com a Maria, sim. Não te preocupes.
- Estás a ligar-me. Que se passa?
- Preciso de falar contigo.
- Isso é óbvio, para me estares a ligar durante o dia, em horário de trabalho. Tenho uma reunião importante com um cliente novo daqui a cinco minutos. Mas posso adiar um bocadinho, por ti. Que se passa?
- Não quero falar por telefone. Podemos almoçar hoje?
- Almoçar? Mas não estás a trabalhar na hora do almoço?
- Sim, mas saio mais cedo, vou ter contigo e vamos àquele restaurante japonês no Campo Pequeno. Às duas? Por favor?
- Er… Às duas? Pode ser, sim. Eu falo com o Paiva e almoço contigo. Deixa-me só bloquear a agenda, para a Milene não marcar nada. Uma hora chega? Duas? Mais que isso não consigo.
- Duas. Obrigada Tomás. Desculpa estar a ocupar tanto tempo num dia de trabalho.
- Carolina, estás a gozar certo? Tu és a minha mulher. Para ti arranjo sempre tempo.
- Obrigado. Amo-te!
- Eu também te amo, leoazinha do meu coração. Até logo, às duas.
Carolina desliga o telefone e tenta recordar-se da última vez que tinha, num dia de semana, falado tanto tempo seguido com o marido. E não se recorda. Com lágrimas nos olhos, levanta-se, vai à casa de banho e senta-se numa cabine a respirar fundo, a tentar não esborratar a maquilhagem com as lágrimas que teimosamente afloravam aos seus olhos verdes. Quem estaria mais maluco? Ele? Ou ela?
* * *
Texto original de Mário Pereira