Dizer "bom dia" ao vizinho, se medo que ele possa ser comunista. Ouvir a música que se quer, mesmo a letra seja uma sátira ao Governo. "Sim, mas..." - apenas sim, sem o mas. "Eu não penso assim" - vamos ver se não pensas. Vestir o que se quer, como se quer. Mesmo que se provoque ataques de epilepsia com os padrões e cores berrantes. Usar biquíni, fato de banho ou aquelas tiras de pano que gostam de chamar trikinis. Não há orações obrigatórias na escolas. Não existiriam páginas como esta (bom, se calhar não é um bom ponto), até porque eu não teria direito a um telemóvel e viveria eternamente dona de casa.
No tempo do Salazar é que era bom, não era? Ah, que saudades daquela falta de liberdade básica. De ter de pedir licença para tudo e ai de mim que não cumprimentasse o agente de autoridade (ou que ele julgasse que não, mesmo que eu jurasse que sim). Isso é que eram bons tempos!
O povo tem, realmente, memória muito curta. E o pior é que grande parte dos que pedem o retorno de Salazar, qual rei d. Sebastião, na realidade não fazem a mais pequena ideia do que é viver numa ditadura. Eu também não faço, mas nem quero sonhar como será. A História é suficiente para eu saber que não quero e que não é algo que se deva sentir falta. Ao contrário do que afirmam falsos bajuladores do Estado Novo, não temos 'liberdade a mais', apenas não a sabemos utilizar devidamente. Mas isso já são outros quinhentos. 😉 Por isso sim: viva o 25 de abril! Para que nunca se esqueça que o antigamente, rapidamente vira actual e que o passado, facilmente se torna presente.
Se há coisa que eu adoro nesta vida - além de papas de aveia - é a literalidade. Há lá coisa mais bonita do que um mundo sem piadas e sem ofensa em cada esquina? Um mundo puro e casto, com floreiras de tulipas no inverno e rosas sempre em botão? Sem esta malta armada em engraçadinha e sempre a mandar bitaites sobre tudo e sobre nada. Isto não é humor. Humor eram os Malucos de Riso que gozavam com esterióripos, mas como tinham o Camacho Costa a malta não levava a peito. Agora é só humoristas de trazer por casa e comediantes de caixas de comentários a notícias espalhafatosas. E eu não gosto disso. Porque é que não podem dar opinião sem gozar? E depois nós é que não temos poder de encaixe! Como se fossemos nós o défice da equação, como se o problema fosse mesmo nosso, dos literais, a quem tudo ofende. Chamam-nos virgens ofendidas. Não porquê: nem sequer há virgens nestes tempos. Isto enerva-me! Não podem ser concretos um bocado e falar a sério? Sem ironia, sem escárnio e sem sarcasmo? Custa assim tanto utilizar metáforas bonitas e que não aleijem muito o nosso ego? Já não chega envelhecer, as articulações a ceder, a confiança pessoal entrar em colapso e ainda temos que levar com piadas de algibeira? Todos os dias? A todas as horas? Não dá! Quero a minha literalidade de volta, quero sentir outra vez o peso das dores onde insistem em alegar que o humor atenua, quero viver livre, feliz e contente na minha verdade. Agora, calem-me essa gente das piadas. Já ninguém as suporta. E viva o 25 de abril! Apesar de eu achar qu'isto no tempo do Salazar é que era bom e que agora há liberdade a mais. Mas pronto, viva o 25 de abril porque aquilo ainda deu trabalho e com trabalho não se brinca. Nem com dinheiro, também não se brinca com dinheiro. Aliás brincar só com bonecas. De plástico, que as de porcelana quebram e depois alguém tem que limpar.