Atletas Anónimos - o Madu e a Cátia
Não é a primeira vez , nem será a última, muito provavelmente, que vos falo deles.
Aliás, acabam por estar subentendidos em cada texto fit que aqui debito. Consegui convencê-los, saberão os deuses como, a sentarem-se comigo um bocadinho para, desta vez, serem eles a falar. Não se iludam pelo aspecto inofensivo: são o demo dentro de uma sala de ginásio. Respiram exercício, têm uma fonte inesgotável de energia e dão-me cabo do sistema muscular cada vez que lá me apanham.
Tirando isso, até são boas pessoas.
Madu, Cátia, parem lá aí um bocadinho e sentem-se aqui comigo um chiquito, por favor. Comecemos pelo princípio: há quanto tempo se dedicam a isto? Ao exercício físico, no geral.
M - Se me perguntares a isto, Fitness, são 25 anos. Já dou aulas desde os meus 18/19 anos. Antes, era praticante de Taekwondo e foi por aí que vim aqui parar. De resto, o desporto sempre foi a minha área e sempre soube que era nisto que queria trabalhar.
C- Pratico desporto desde os 10 anos. Fui atleta de alta competição, na selecção nacional, em Trampolins. Por volta dos meus 20 anos, com a faculdade, deixei de ter tanto tempo para seguir a alta competição, acabando por deixar a modalidade. Foi por essa altura que comecei a treinar em ginásios e que conheci aqui esta peste...
M- E foi a tua maior sorte!
C- ... Comecei a fazer aulas, a gostar mais da coisa e adquirir o conhecimento necessário para poder dar aulas.
Quem vai a uma aula vossa, falando um bocadinho por toda a gente, sente que estão sempre fresquinhos, sempre preparados, sempre activos. Mas, vá, confessem lá: não é sempre assim, pois não? Ou estão efectivamente sempre prontos a mexer o corpinho para motivar outros?
M - Não... Há dias que não apetece, que estamos cansados. Depende também de outros factores: a turma, a forma como as pessoas estão receptivas ao exercício, se estão ou não motivadas... Tudo isso tem importância na nossa própria motivação para dar a aula. Durante a minha formação, havia um professor que dizia que "a última aula da noite, deve ser dada com a mesma energia da primeira aula da manhã". O aluno da noite não quer saber se já demos 5 aulas e estamos cansados, quer energia, desgaste, sentir que está a ser motivado. E isso acaba por nos motivar também.
C - Eu ainda estou na fase em que é a qualquer hora e em qualquer dia. Estou sempre pronta!
Por norma sempre que faço o que gosto, ou durante o dia, estou on. Para mim, descansar durante o dia só em caso de situações extremas, mas à noite quando chego a casa passo a off.
E sim, quando entro na sala viro bicho, pois por norma não sou de euforismos e gosto de passar despercebida.
Sendo professores de, maioritariamente, aulas de grupo e tendo um nível de exigência bastante elevado, haverá certas coisas que vos tiram do sério ou não?
M - A mim aborrece-me a falta de perfeição. Sempre me irritou, tenho até noção que saí várias vezes prejudicado por isso - chegava a interromper aulas para corrigir um aluno, prejudicando os restantes. Não estou a falar daquele aluno novo, que não sabe ao que vem ou que não tem jeito, estou a falar daquela pessoa que tu repetes e repetes e voltas a repetir e ela só não se aperfeiçoa porque não quer. Isso tira-me um bocadinho do sério, mas tenho que me abstrair e prosseguir com a aula.
C - A mim chateia-me mais a falta de empenho do que a falta de perfeição. A mim irrita-me mais, por exemplo, estarmos numa aula de cycle, a subir uma montanha, pedir para apertar e as pessoas fazerem aquela cara de nhonhinhas (sem carga!) e continuarem só sentadas! Isso irrita-me mais do que uma pessoa que até quer fazer, mas não tem jeito.
Êta melher, agora até fiquei com medo... :P
Quem vos sente numa aula, por "leve" que seja, fica sempre com a ideia que é fácil, que não vos custa e que já é algo inato para vocês. Expliquem-me: como é uma aula do vosso lado?
M - É três vezes mais cansativo para nós que para vocês, alunos: temos que passar o exercício, temos que estar no ritmo e na cadência da música, falar com o aluno, corrigir o aluno, saber quantas séries fazemos para a direita e para a esquerda...
C - E ser o exemplo!
M - Exacto! Se eu vos peço para pôr carga, eu também tenho que rodar para a direita (alusão ao cycling). Se vos peço para usar 3 kg, pelo menos os 3 kg tenho que ter também, senão que motivação é que estou a passar?
C- E sorrir! Às vezes estás a sofrer, já não aguentas, estás toda rota, mas tens que sorrir e incentivar, porque se nós conseguimos, vocês também conseguem!
Ah-ah! Então vocês também sofrem... Às vezes ficamos com a ideia que não vos está a custar. A maioria das vezes, vá.
C- Claro! Sofremos tanto como vocês, somos humanos. Nas minhas aulas, sofro sempre com os alunos. Quero que façam sempre mais, mas para poder exigir tenho também que fazer. Sou um bocado masoquista, basicamente.
Se eu vos perguntar qual a aula que mais gostam, aposto que me vão responder todas, portanto, vou fazer esse trabalho por vocês: Madu, em que consiste uma aula de alongamentos? Falas sempre com tanta paixão sobre eles, que presumo seja uma das que mais te preenche...
M- Há uma ideia um bocadinho errada quanto aos alongamentos. Talvez a disposição da sala contribua para isso, já que coloco sempre velas no chão, música num volume baixo e média luz. A pessoa acaba por pensar que só vai ali relaxar e respirar, esticar daqui e dali... E não é. Há todo um trabalho de pernas, tronco, costas, abdominal, braços... Tudo!
As aulas de alongamentos - e pilates também - são o pilar para conseguir fazer todas as outras aulas. Quem fizer uma aula destas bem feita, vai adquirir o desempenho necessário para aguentar uma aula de total condicionamento da Cátia, por exemplo. Se calhar vou repetir-me, mas há ideia, errada, que para "ficar forte"é preciso "puxar ferro", mas se não tivermos um trabalho interno bem feito, se não souberes usar o teu corpo e os teus músculos... Nada feito!
Cátia, é impossível imaginar-te sem um trampolim aos pés, aos pinchinhos. Fala-nos um bocadinho do jump.
C - Sou um bocadinho saltitante,de facto. :D O jump, para quem sente a aula é fácil de explicar: é uma aula divertida, transpiras à grande, trabalhas pernas, glúteos, abdominais e tem uma forte componente de cardio.
Sendo líderes de uma aula, com todas as preparações que isso acarreta antes e durante a aula, presumo que tenham que lidar algumas vezes com a frustração de alunos. Como o não conseguir executar um determinado exercício, por exemplo. Como tentam gerir ou contornar isso?
M - Uso este sistema que, para já, tem funcionado bem: há sempre alguns exercícios que são mais difíceis ou que os alunos têm mais dificuldade e é por esses que começo a explicar e exemplificar, antes das faixas. Só depois prosseguimos.
C - Eu tento que ninguém, na minha aula, se sinta intimidado com as dificuldades. Tento levar isso para a brincadeira e ao mesmo tempo fazer frente a esse aluno, para que não desista.
Aquele que se sentem desafiados e gostam disso, acabam por voltar. Aqueles que até vêm ao ginásio, mas não estão para se matar, acabam por procurar outras aulas. Regra geral, apercebo-me facilmente destes segundos e tento, no final da aula, aborda-los e explicar a dinâmica da coisa.
Chegámos à parte difícil: vocês vivem o desporto, mais até do que viverem dele, arriscaria a dizer. Conseguem classificá-lo numa só palavra?
C - Prazer - porque sou mesmo feliz enquanto o faço e porque me desafia diariamente.
M - Saúde - o desporto faz, ou deveria fazer, tanto parte da nossa vida, como o dormir, o comer, o beber e o respirar.
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Ufa!
Já fiquei cansada só com esta conversinha. :P Obrigada por terem disponibilizado tempo e palavras - que nem sempre são fáceis quando não se está acostumado com elas - e por motivarem, todos os dias. Nós queixamo-nos, dizemos mal da nossa vida, que não queremos mais, que já chega, mas não passamos sem vocês. E esse é, no fundo, o maior elogio que vos podemos dar. (Mas um bocadinho menos de invenções e cenas maradas, também não era mal pensado. É pensar nisso, está bom?)
Fotografia: Nelma Rodrigues/Vitória Coelho | Edição fotográfica: Sandra Carvalho