Experiências #2
O texto que segue é a continuação desta história e da autoria do Mário, que tem imenso jeito para a coisa, como poderão comprovar de seguida.
Tomás era agora uma sombra do homem alto e bem parecido que fora nos seus trinta anos, quando conhecera Carolina. Engordara imenso e deixara crescer uma barba que se cuidada lhe daria o charme trendy da sociedade, mas a vontade de cuidar das suas pilosidades corporais desvanecera-se desde aquele fatídico dia.
Fora, em tempos, um advogado em rápida ascensão numa das maiores sociedades de advogados de Lisboa. Entrara ainda estagiário, acabado de sair da Universidade de Lisboa onde se licenciara com moderado brilhantismo, mas com uma mente sagaz e de raciocínio lógico tão rápido que um dos seus professores o referenciara a Paiva do Amaral, um dos mais brilhantes advogados de defesa do País. Paiva do Amaral esperara-o um dia à saída das aulas, fumando descontraídamente um cigarro e, a um sinal do professor, interpelara-o calmamente, convidando-o para um almoço informal. Fez-lhe algumas perguntas sobre situações de tribunal e sobre como resolveria determinados problemas que fossem colocados pela Acusação. Apanhado desprevenido, Tomás não dera parte fraca e demonstrara que as referências dadas pelo professor não eram desprovidas de conteúdo.
Uma vez na empresa, Tomás começara por, debaixo da asa do seu tutor, proceder ao estudo dos advogados de Acusação, observando-lhes os trejeitos, as hesitações, os bluffs quando os havia e, especialmente, aquele momento em que avançavam confiantes para a estocada final, quando provavam que o crime tinha realmente acontecido numa série de perguntas bem colocadas. Tornara-se, assim, uma espécie de profiler da sua sociedade de advogados, tornando mais fácil a Paiva do Amaral e restantes sócios aceitar novos processos com maior confiança, aumentando a percentagem de vitórias e, por consequência, melhorando o nome da sociedade junto do público em geral. Usara em seguida esse conhecimento adquirido para se tornar, também ele, um fantástico advogado de defesa, desmontando teorias de assassínio e esquemas de lavagem de dinheiro, reduzindo acusações de chantagem e coacção a escombros e tornando-se o advogado preferido de políticos alegadamente corruptos e presidentes de clubes de Futebol.
Conhecera Carolina precisamente na sequência de uma improvável vitória, ao dar uma entrevista a um canal privado. Chamaram-lhe a atenção os olhos verdes penetrantes e os cabelos cor de fogo provenientes do sangue Escocês do avô radicado no sul do país desde a década de 60 como construtor de paraísos para turistas. Terminada a entrevista, abordara-a com a confiança da vitória e convidara-a para jantar, apenas para ver a sua investida rejeitada por aquela jornalista imberbe com a mesma facilidade com que ele, advogado experiente, destruía os oponentes nas salas de tribunal. Continuou a tentar durante meses sair com ela por todos os meios até que um dia o seu telemóvel pessoal tocou e era ela, senhora jornalista Carolina Holster, a convidá-lo para um café depois do jantar, no bar que ela escolhera e à hora por ela pretendida. Nessa noite ele compareceu nervosamente antes da hora e quando ela chegou, sentiu-se como se ele estivesse a ser caçado e não o contrário.
A um namoro conturbado, seguiu-se um casamento numa das propriedades construídas pelo avô no meio do Alentejo, uma lua de mel num dos melhores resorts da Polinésia e Maria, não planeada mas muito desejada, menos de um ano depois. A vida sorria-lhes. Carolina singrava no canal privado e era já a pivô das notícias da hora do almoço, saindo a horas de estar com Maria depois do trabalho, levando-a a passeios e praias, museus e teatros. Tomás era já apontado como sócio para breve, faltando apenas que Paiva do Amaral convocasse reunião geral, coisa que normalmente acontecia uma vez por ano, antes do Natal.
O fatídico dia situa-se no início da Priomavera, quando Tomás sai cedo de uma sessão de tribunal, consulta a agenda familiar e verifica que Carolina assinalara uma ida ao Museu dos Coches com Maria até às dezoito horas. Sendo ainda três da tarde, dirigiu-se a Belém, entrou na fábrica dos Pastéis e, enquanto aguardava pacientemente a sua vez para comprar um pacote da deliciosa pastelaria, vislumbrou uma mecha de cabelos ruivos acompanhados por um homem vagamente familiar. Olhou melhor e reconheceu ambos. Carolina sorria sedutoramente para o vice-director de comunicação da estação onde trabalhava. O mesmo sorriso que lhe fizera na primeira noite, que terminou na casa dele, com ela por cima, delírio de posse e respiração funda, palavras doces sussurradas e algumas obscenidades.
Aguardou numa mesa que eles saíssem e seguiu-os a distância segura até os ver entrar no Altis e, já a caminho do elevador, ele colocar uma mão de posse a sul da cintura dela, num gesto rápido que lhe provocou uma gargalhada que ele, fora do hotel, não ouviu mas que reconheceu pelo volteio no cabelo que fez a seguir. Ela estava a traí-lo.