Não fora assim que imaginara a sua vida aos 32 anos.
Nunca julgou ter que tomar decisões tão importante antes do meio século de vida. Pensando melhor, nem sequer tinha pensado que existissem decisões deste calibre, muito menos que a liberdade de dizer "não" lhe fosse tão cara.
A maioria dos seus amigos não compreende, acusando-a de cobardia e de seguir pelo caminho mais fácil. Os poucos que foram ficando ou raramente apareciam fisicamente ou apenas telefonavam sem saber muito bem o que dizer.
A família ia aparecendo, sempre com a pena a pairar nas íris. Raramente com palavras para mais de cinco minutos de tempo.
A mãe suportou como pôde, aguentando o barco no meio da tempestade. Até ao dia que afundou na própria impotência.
O pai raramente a olhava nos olhos. Não o censurava: era difícil para um pai aceitar aquela decisão de uma filha.
O namorado ficou durante algum tempo, até ao dia que lhe pediu por tudo para mudar de ideias. "Tenta Beatriz, pelo menos tenta" - pedira-lhe desfeito em lágrimas. Ela deixou-o ir, não lhe podia pedir para ficar quando a decisão que havia tomado lhe provocava tanta dor.
Só a irmã ficou. Inabalável, acomodada às dores constantes - a sua e a de Beatriz - superando a frustração da impotência com um livro, completando o silêncio com uma presença constante. Às vezes chorava silenciosamente. Outras vezes choravam as duas, numa torrente de lágrimas e soluços entre cortados.
Não fora assim que imaginara a sua vida aos 32 anos.
O rosto magro e macilento. Um corpo outrora roliço e vistoso, carcomido por um demónio invisível a olho nu. Sugada de dentro para fora. Entrelaçou as falanges finas e débeis. A respiração pesada lembrava-a do quão fina era a corda que a amarrava a vida. Estava cansada. Agora, estava sempre cansada.
- Não vou estar com paninhos quentes, Beatriz. - dissera-lhe o médico, numa outra vida - Tem um osteosarcoma de grau IV. Muito difícil de curar, mas com algumas possibilidades de tratamento. Com o protocolo de quimioterapia combinado com radioterapia, talvez consigamos mais dois anos.
O mundo caiu. Dois anos? Vinte e quatro meses? Não queria dois anos, queria a vida toda. Ou tudo ou nada.
Escolheu o nada e o tudo.
Há seis meses, dissera que não a um sofrimento que lhe parecia atroz e um aditamento de uma morte que, sentia agora, estava iminente.
Tiago, segundo mais velho num total de 8 irmãos, encontrou no desporto o escape para uma família conturbada e a força necessária para ultrapassar algumas fases menos boas que a vida lhe deu. Um entrevista que se revelou mais pessoal e atribulada do que as desportivas que costumam aparecer por aqui, mas que vale (muito!) a pena ler.
Apertem os cordões e sentem aqui ao pé de nós:
Desde que me conheço faço desporto. Era uma forma de fugir dos meus problemas em casa – a minha mãe era ex alcoólica e isso trazia muitos problemas para casa.
Imaginava o desporto como um trampolim, sonhando ser um jogador de topo. E pensava assim poder ajudar meus irmãos.
Fale-nos um bocadinho sobre essa época no futebol.
A minha primeira época num clube de futebol foi em 2003/2004, no Futebol Clube Cesarence e começou apenas porque o pai de uma amiga me ofereceu boleia: o filho dele jogava lá e ele ofereceu se para me levar.
Acabei de por conseguir ficar porque os treinadores gostaram de mim.
Antes disto, do futebol, fiz ainda uma época de atletismo, onde ganhei alguns troféus e um corta-mato escolar. Era capaz de jogar futebol à segunda, à quarta e à sexta feira. Treinos de atletismo à terça e quinta feira. Jogar futebol com amigos sábado à tarde e jogar pela minha equipa ao domingo.
Tudo para fugir de casa, mas sempre me preocupei com meus irmãos mais novos: levando-os à escola e cuidando deles.
Neste momento, faço em média três treinos semanais.
O que mais o marcou durante essa época?
O momento que mais me marcou na vida, foi aos 14 anos, no mesmo ano da morte do Feher, senti-me mal a jogar futebol com amigos. Estaríamos no mês de Outubro de 2004, um sábado.
Sendo eu uma pessoa um pouco cismática, comecei alimentar um medo de ter algo e começou uma longa caminhada contra uma depressão, onde também se juntou a ansiedade que me fazia ir parar ao hospital 2 a 3 vezes por semana. Nunca me foi detectado nada, mas o medo de me acontecer alguma coisa estava sempre ao virar da esquina.
Lá consegui fazer mais 2 épocas, lutando contra meus medos, porque tinha o medo maior de deixar os meus irmãos sozinhos.
Quando terminou o futebol, o que seguiu?
Aos 17 anos, optei por deixar o futebol. Tinha começado a trabalhar para ajudar em casa, não tinha transporte para os treinos… Mas sei que, lá no fundo, foram os meus medos que ganharam sobre mim.
Mais tarde, devido a problemas em casa, acabei por ir viver com a minha avó, até que o meu pai adoeceu com tuberculose.
Senti que tinha de fazer algo por ele visto ter deixado a minha casa, pelo que, durante 3meses, todos os dias, fui ao hospital visitá-lo. Falhei 1dia…
Isso fez- me não pensar tanto na ausência do futebol.
Graças a Deus, ele ainda é vivo hoje.
Entretanto, passei a viver sozinho arrendando uma casa, trabalhando na restauração em part-time e numa fábrica a full-time.
Sem tempo para pensar nos meus medos.
Até que em 2014 me foi diagnosticada tuberculose.
Fui forte e superei. Só aí comecei a ver o quanto tinha sido irracional em relação aos meus medos. Só me apetecia sair dali e voltar a correr.
Conseguiu voltar ao desporto?
Sim, graças a Deus. Apesar de na recuperação ter feito 4 pneumotorax, tendo inclusive que ser operado.
Passado algum tempo, retomei uns jogos de futebol com amigos.
Numa semana de férias, fiz uma corrida que surgiu por brincadeira.
O vício voltou e então decidi mudar de vida. Deixei a restauração, que me ocupava algum tempo, arranjei um emprego que me permitisse fins de semana livres para fazer algumas provas, como por exemplo: uma meia maratona em 1h36 e um terceiro lugar nos Trilhos Termais em Espinho, na distância de 15km, em junho deste ano. Acho que, no final, quem luta sempre alcança.
Por fim, pedia-lhe que classifica-se o desporto numa só palavra e justificasse a resposta.
Resiliência - porque tenho superado algumas pequenas batalhas. A maior contra mim próprio as vezes.
* * * * *
Muito obrigada ao Tiago pelo tempo que dedicou a contar-nos um pouco da sua história.
Se quiserem partilhar as vossas histórias desportivas e participar nesta rubrica, podem enviar e-mail para: accaracol@sapo.pt.
Um dia, a meio de uma campanha fitóeleitoral, pediram-me ajuda para um projeto.
E foi tão bom, tão desafiante! O efeito final ficou tão bonito, tão inspirador, tão humano, que eu achei que não devia ficar só por ali... Gamei a ideia e usei-a em meu proveito. E porque não? Porque não podem aquelas pessoas que nos inspiram todos os dias a ser melhores ter uns minutos de audiência para falar de si? Porque não? Tenho para mim que toda a gente tem histórias para contar e aventuras para partilhar. Uns poderão ter mais jeito do que outros para o fazer, mas no geral todos nós somos, em certa medida, inspiradores para outros. No meu caso particular, a inspiração vem muitas vezes do fitness. Ou retificando: das pessoas com quem partilho exercício físico. E tantas, mas tantas!, vezes nos esquecemos que são como nós, que têm uma vida lá fora e apesar de viverem do exercício não é ele que os define. Por outro lado, também há quem nos motive a melhorar pela resiliência e persistência com que encaram cada desafio proposto, por muito que doa, por muito ar que falte, por muita ressaca que tenham no dia seguinte. É assim que nasce o FitFinição*. Um espaço de desconstrução de personagens onde os professores deixam de o ser para serem apenas o Nuno, o Pedro, o Joaquim ou o Manuel. Onde os alunos deixam as sapatilhas no saco e deixam-se desafiar pelo que já foram, o que são e o que querem ser. O FitFinição é sobre pessoas que têm em comum o gosto pelo desporto. E não pelo desporto que tem em comum pessoas.
Começou hoje, com o Nuno a fazer as honras e abrir o espaço.
Ensina fitness há 4 anos e é um apaixonado pelo que faz, pelas pessoas e pelo mundo.
Podem ver aqui e já agora, fazendo o obséquio, podem passar a subscrever o canal acabadinho de abrir no youtube. Nada pedinchona. Absolutamente nada.
Ah! E não se esqueçam de dar a vossa opinião! Mui grata. :D