Já andava há uma porrada de tempo para falar sobre isto. Tive aqui um tempinho, por isso vamos lá falar sobre esta coisa gira de parir em tempo de pandemia. Ainda em internamento, comentei com a vizinha de enfermaria a pena que me fazia quem tivesse parto previsto mais a frente - Maio em diante - porque as coisas iriam piorar muito e as restrições iriam aumentar, com toda a certeza. Olhando para trás, vejo que se calhar foi pior para nós, que levamos com o ajuste do SNS a esta situação e ainda não se sabia muito bem o que fazer e como fazer. O plano de contingência do hospital não permitia visitas, nem acompanhantes no parto. O pai podia visitar a mãe e o bebé 10 minutos, durante o horário de visita, depois só se voltariam a ver no dia da alta. Sei que para muitas mães isto foi uma facada no útero, mas continuo a manter a posição: era o melhor para todos e o pai nem sequer é assim tão essencial ao parto - a não ser quando quiserem insultar alguém sem razão, só para descontrair da dor. Aí dá jeito. Portanto, acredito que fomos nós, parturientes entre final de Março e mês Abril, as mais sacrificadas em restrições. Agora já é permitido, em alguns hospitais, o pai assistir ao parto depois de testado. Parecendo que não, sempre é mais um a carregar bolachas e isso faz muita falta na recuperação. Sobre o parto em si: já fiz treinos piores. Assim de repente, lembro-me de um treino de pernas onde o meu querido e fofinho PT decidiu pôr a conversa em dia comigo em agachamento isométrico. Muito pior do que um parto normal, vos garanto. Até na recuperação: duas horas depois do parto já caminhava normalmente, depois desse treino de pernas, não me consegui sentar para fazer xixi durante uma semana. Claro que a minha entrada foi absolutamente espetacular: tinha indução marcada, mas a subir as escadas a bolsa rebentou. O que contribuiu para esta figura: subir as escadas meio a correr para tentar conter o líquido (não resultou, obviamente), chegar ao piso descabelada, esbaforida e com a calças tão molhadas como um miúdo que acabou de iniciar o desfralde. Mesmo fixe. Como resultado, fui praticamente direta para a sala de partos, onde fiquei até ao fim. E foi aqui que aconteceu a parte pior de toda a minha experiência: obrigaram-me a fazer o percurso numa cadeira de rodas. Acreditam nisto? Eu tinha acabado de subir escadas a correr e mesmo assim não me deixaram caminhar o resto. Ainda reclamei e barafustei, fui praticamemte empurrada para a cadeira por uma auxiliar. É assim que tratam as pessoas nos hospitais. Inqualificável. Chegada ao destino, levei logo com a anestesista, que me caiu de imediato no goto por frisar a minha musculatura, como já vos contei e tive direito a uma enfermeira parteira que também é minha cliente na loja. Foi impecável, mas temo que da próxima vez que lhe for vender uns óculos só me consiga lembrar que foi ela que me assistiu no parto, com tudo o que de bonito e glorioso isso inclui. #SenhorMeAjude Apesar de me parecer um parto mais longo do que o primeiro, acho que na verdade foi ela por ela: se no primeiro fiz tudo em casa e cheguei ao hospital praticamente em período expulsivo, neste comecei de manhã e a miúda nasceu a meio da tarde. Praticamente o mesmo número de horas, mas o facto de estar sempre no mesmo espaço e posição , acabam por dar a ideia que foi um parto mais demorado. A espera é de facto longa quando não se está entretido e é aqui que eu acho que faz falta a companhia para dar duas de letra. Bem dita seja a internet e os grupos de messenger, porque quase não dei pelo tempo passar. E, mesmo sozinha, nunca me senti realmente sozinha, nem "abandonada". Os amigos é que, pobrezinhos, deviam estar fartos de me aturar. E claro, devem ter enjoado as fotografias da rapariga durante a primeira noite. Aposto que desligaram as minhas notificações ao fim de 10 fotografias, os fraquinhos. Quero ainda aproveitar esta publicação para agradecer a toda a equipa do Centro Hospitalar Gaia Espinho. Foram de facto impecáveis e incansáveis, mesmo quando eu só dizia disparates (tenho uma ligeira tendência para a parvoíce, mas quase não se nota) e é de louvar o profissionalismo de todos em tempos ainda desconhecidos e estranhos para todos. Podia ter mudado muita coisa neste parto, a começar pela escolha das bolachas que levei na mala, mas não mudava a escolha do hospital. Modos que foi maizomenos isto, com algumas parvoíces pelo meio, mas foi isto. No recobro, ainda houve Frank Sinatra como banda sonora, em My way, o que me pareceu adequado à Pequena Bola D'Unto, que fez, de facto, tudo à maneira dela. Sacana da miúda.
Passo a vida a dizer isto. Não muito alto, não quero que outros ouçam a minha insegurança, mas digo-o silenciosamente, para mim.
Digo-o quando desço as escadas molhadas em direção à lavandaria, sabendo de antemão o perigo de escorregar.
Digo-o quando subo a uma cadeira para chegar a uma prateleira mais alta.
Digo-o quando forço um bocadinho e sinto a lombar a picar.
Digo-o todos os dias, quando olho para o meu filho mais velho adormecido: acho que a coisa não vai correr bem.
Tenho medo. Muito medo.
Medo que a rapariga se antecipe e conheça o mundo antes do tempo.
Medo que fique internada dias a fio e eu sem saber se me vire para a mais nova se para o mais velho.
Medo da ansiedade que a minha estadia no hospital vá provocar em casa.
Medo de precisar de mais dias do que os dois com que fervorosamente acredito precisar.
Medo que a primeira reação não seja a melhor.
Medo de não estar à altura de dois filhos tão pequenos.
Medo de a coisa não corra bem e não segure todas as pontas, como sempre me habituei a fazer.
Medo de lhes falhar, de não conseguir estar lá para eles, da mesma forma e com a mesma plenitude que para um.
Mas depois... Depois, lembro-me que isto é, no fundo, a única melhor coisa que poderia acontecer.
Lembro-me como vai ser giro voltar a ter um bebé, apesar do que tudo isso implica.
Lembro-me que tudo aquilo que o Caracolinho sempre pediu foi uma mana e, mesmo passando pela inevitável adaptação e possível rejeição à rapariga, vai adorar ter alguém para ler histórias e brincar ao faz de conta.
Lembro-me o quanto odiei ser filha única, o quão pesadas são as cargas quando só existe um para equilibrar com a barra.
E por isso, mesmo sabendo que haverá dias que a coisa não vai correr bem, guardo o medo no bolso pequenino das calças de ganga que agora não servem, para me lembrar dele quando as coisas correrem bem.
Há uma semana Caracolinho queixava-se de dores de barriga. Calhou ser sempre em alturas de mais ansiedade: um dia antes do passeio da escola, na tarde em que havia aula de música de aberta aos pais... Pouco depois da actividade começar, as dores passavam. Sábado, depois de uma manhã cansativa, adormeceu no carro. Acordou a chorar que lhe doía muito a barriga. Fomos ao médico, com vários cenários na cabeça: desde viroses a cancros vários. Diagnóstico: nada. Ou melhor: stress acumulado e ansiedade. O meu filho tem 'apenas' duas actividades: música e natação. A primeira insere-se no horário escolar, a segunda é ao fim de semana. Não tem actividades pós escola. Não seria, portanto, excesso de carga de atividades. Calha, contudo, ser mês de natal: jantares, lanches, festas, festa de aniversário, um corropio seguido, fim de semana sim, fim de semana sim. Calha também ter uma mãe ligeiramente acelerada. "E agora? Como raio vou eu gerir esta merda?! Se ainda fosse uma virose... Agora, stress?! Como é eu combato o stress?! Não há medicamento, não há xarope, não há porra nenhuma." Ah, a sensação de incompetência, misturada com a sacana da culpa. Uma mistura mesmo fixe e explosiva para a cabeça de uma mãe. Durou cinco minutos, claro, mas foi inevitável passar por ela. Dicas úteis de uma prima que enerva de tanta tranquilidade que emana por cada poro:
- Menos ecrãs
- Mais atividades que incluam a interactividade (ver um filme não conta, já que a interactividade é inexistente)
- Ensinar respiração abdominal e não torácica para acalmar os nervos
- E... Chupeta, provavelmente.
Vou explicar melhor o último ponto:
Há umas semanas que o rapaz deixou a chupeta. Fazendo uma retrospectiva a frio, não o fez por vontade própria, mas sim por influência nossa e por, provavelmente, querer agradar. A chupeta era o calmante, funcionava na gestão de ansiedade ou de estados de espíritos menos calmos. Tirou-se um ansiolítico, mas não se ensinou uma alternativa, nem tampouco se pensou que seria demasiada informação: chupeta+irmã. E a verdade é que, apesar do entusiasmo em relação às catraia, é de facto muita gestão emocional para um miúdo de 5 anos. Assim, à pergunta "Achas que a chupeta te ajudava a passar as dores de barriga?", a resposta foi um rápido e assertivo: "Tenho a certeza! Posso?". Autch. Relativiza: preferes uma caixa de ansiolíticos ou uma chupeta? Preferes um miúdo seguro ou uma pilha de nervos? A resposta foi óbvia, portanto, a segurança voltou. A par de tudo o resto que falei em cima, mas sobretudo como fonte de segurança e conforto. Pede apenas para dormir, mas honestamente, se pedir no meio de uma situação emocionalmente mais frágil, estou-me pouco borrifando. Não posso exigir-lhe que saiba acalmar-se sozinho já amanhã. É um processo em construção. Modos que os planos para hoje passam por: zero tarefas domésticas para mim, porque são sem dúvida o meu catalisador de turbo e ninguém morre porque a casa de banho não é limpa há dois dias e mais jogos de tabuleiro, slime ou outra actividade que o puto queira fazer. Sempre com calma. (Oh, céus, quase que sinto o espírito do ioga a fluir em mim... 🤦). Evitar locais com potencial fonte de stress: centros comerciais, locais muito fechados e outros que tais. Aprender, também, a abrandar e a gerir melhor a correria inevitável do dia a dia. Se daqui a uma semana não virar buda reencarnado, juro que meto um processo ao fulano. Façam aí duas ou três inspirações profundas e abdomais por nós, sim? E abrandem também, aprendam comigo: ommmmmmmmmmm.
No dia dos namorados fiz um bolinho de manhã, antes de vir para o trabalho (sim eu faço coisas antes de vir trabalhar, não perguntem muito, ok? 🙄), nada muito elaborado apenas um bolo de chocolate de dois ingredientes e como de costume o rapaz pediu-me para rapar a taça. Disse-lhe que sim e quando dou conta tem a cabeça enfiada lá dentro com o chocolate a deixar um rasto quase até às orelhas. Mudei de estratégia e disse-lhe:
- Olha filho, vamos fazer antes o seguinte: rapamos parte desse chocolate para a tua caneca do leite e hoje tens leitinho de aveia com chocolate. Que me dizes?
Ficou todo contente e lá metemos o salazar ao barulho. Ele ficou a beber o seu leite com chocolate especial, feliz da vida, enquanto eu fui buscar a roupa lavada à lavandaria. Quando chego deparo-me com o este cenário:
Miúdo em pé numa cadeira em frente ao balcão a despejar o leite da caneca para a taça.
Quando lhe pergunto que raio está a fazer responde com a sapiciência dos seus quatro anos:
- Ainda tinha aqui muito chocolate, mamã. Assim não há tanto desperdício porque há meninos que não têm.
Pumbas! 1-0 à cara podre sem dó nem piedade. Recompus-me rapidamente e continuei:
- E depois como tencionas beber isso? Ainda vais fazer asneiras...
... E levar por cima, tive vontade de acrescentar. Levei como resposta:
- Banho em sais minerais do oriente e óleo de argão vindo diretamente de Marrocos. Nem um pêlo à vista e a água desliza pela pele como se tivéssemos uma capa hidrofoba patenteada pela Zeiss.
- Música romântica de fundo, média luz, pétalas de rosa nos lençóis, duas flutes de espumante e um prato de morangos em cima da mesa de cabeceira.
- Sabe Deus quando acaba. A madrugada é o limite.
Depois dos filhos:
- Duche à pressa com gel de banho do Catraio porque o nosso acabou e não lembramos de comprar outro. O único óleo lá por casa agora é o de bebé e a lâmina percorre as pernas às cegas criando auto-estradas no meio da selva de pelugem Pernal.
- Como é que se chamava aquela música? Oh, deixa lá fica mesmo na RoseBonbon que até tem nome romântico e o que conta é a intenção. Migalhas, brinquedos pequenos (ou pior: peças de Lego) no meio dos lençóis, mas amor precisa de emoção, não é verdade? "Que barulho é este? Levantou-se! Tapa-te!" Na mesa de cabeceira habitam duas coisas: fraldas e toalhitas no caso dos bebés pequenos ou toalhitas e brinquedos no caso de mais graúdos.
- O próximo choro ou chamamento é o limite.
Há quem lhes chame o melhor do mundo, eu acho que empata-loves também era bonito.
Ora bem, parece que agora é de bom tom pedir autorização aos miúdos bebés para lhes trocar a fralda.
Sendo assim, eu Caracoleta Mamã, quero que o meu miúdo me peça autorização para:
- Pentear-me com as suas mãozinhas assustadoras e capazes de assassinar fios de cabelos, deixando poros dolorosamente viúvos pela cara metade. Com escova tudo bem, com mãos, senhor meu filho, é preciso autorização prévia e requerimento enviado por correio registado. E não há cá trocas a meio do penteado, é escova até ao final ou terás de questionar "Senhora Dona Mamã, posso usar agora aos mãos neste bocadinho de cabelo que ainda te resta?"
- Fazer birras. Imediatamente antes de se atirar para o chão a bracejar e espernear num lago de baba e ranho porque não o deixo ir de pijama para a escola, quero que o moço pergunte diligentemente: " Senhora Dona Mamã, posso fazer uma birra? Muito feia e muito grande? Por favor?" Assim é que é bonito e de menino bem educado, capaz de perceber o consentimento do outro.
- Sujar-se na lama. (aplicando a mesma regra das birras e sempre precedido do título 'senhora dona Mamã', que o respeitinho é muito bonito e está em vias de extinção)
De momento são as que me ocorrem. Qu'isto agora é tanta autorização entre pais e filhos que daqui a nada não temos lar nem família, temos repartições de laços entre seres com o mesmo ADN. Agora vou só ali terminar de preencher o impresso 156 do modelo 7, que preciso que o miúdo rabisque para lhe poder dar banho logo à noite. (Em miúdos até aos dois anos é o modelo 6, que é impresso num papel resistente à baba. De nada.)
- Mamã, as vaquinhas têm leite? - Têm sim Caracolinho. - E os senhores puxam o leite delas? - Puxam, filho. Mas não deviam... - Pois não! Porque o leite delas é dos bebés delas.
Nunca lhe falei sobre a ordenha, já a sobre a segunda parte falámos pela primeira vez ontem. E nós? Quanto tempo mais precisaremos para perceber o mesmo?
Estamos com um grupo de amigos, em amena cavaqueira, quando o chamo a atenção para finalizar o seu lanche TODO dada a impertinência anterior para o ter. Estou eu ali, a exercer o meu poder de mãe, a modular a minha voz de "bamby" para voz de comando num discurso sobre birras e terminar tudo o que pede sem deixar uma migalha ou gota. quando ele contra-argumenta de forma muito séria e sentida:
- Oh Mamã! Tu és tão linda!
Como é que se dá seguimento ao sermão depois disto?
- Parolinho (vesti-lhe roupas com os mais variados padrões numa salganhada de cores, riscas e quadrados)
- Mini aspirante a fit (umas leggins, umas caneleiras em lã, sapatilhas, camisola justinha, toalha pelos ombros, uma garrafa de água catita, halteres com balões e 'tá andar)
Este ano e como sou muita fã do Carnaval (#soquenao) pensei em disfarça-lo de Wally. Super fácil: gorro vermelho, camisola às riscas vermelhas, calças ganga, óculos gigantones redondos. Um espétaculo.
Hoje de manhã enquanto falavamos sobre isso, responde-me do alto dos seus três anos:
- Não quero ir de Wally, mamã. Quero ir de pijama.
- Mas pijama não é bem difarce, Caracolinho.
- Mas eu queria... Posso?
Sai um Soneca para mesa do canto, faxabor, que no Carnaval pode-se tudo!
(E ainda por cima rápido de r€solver. Cá beijinho meu rico filho.)
Quando eu fui mãe, já todas as amigas o haviam sido. Já todas sabiam para o que ia e todas fizeram questão de me deixar indicações. "Vai ser maravilhoso! Vais cair para o lado de sono... Mas é maravilhoso!" Ninguém me mentiu ou pintou a coisa mais cor de rosa. E, em boa verdade, eu já sabia que isto é uma montanha russa e não um carrosel de cavalos alados. No entanto, o que eu quero mesmo saber é: Porque é NINGUÉM (reparem bem, nem uma alminha de boa fé) me disse que me iam tentar arrancar cabelos a fazer trancinhas. É que o moço diz "Mamã, posso pentar-te?" e toda eu estremeço, numa agonia pelo cabelo que ainda me resta. Chego a questionar-me se tem garras em vez de dedos, depois lembro-me que é gajo e portanto delicadeza é algo que geneticamente não lhe assiste. Mães deste mundo: não estão sozinhas. O meu cabelo também sofre. Estamos juntas.