Desafio dos Pássaros 2.1
Acho que a coisa não vai correr bem
Passo a vida a dizer isto. Não muito alto, não quero que outros ouçam a minha insegurança, mas digo-o silenciosamente, para mim.
Digo-o quando desço as escadas molhadas em direção à lavandaria, sabendo de antemão o perigo de escorregar.
Digo-o quando subo a uma cadeira para chegar a uma prateleira mais alta.
Digo-o quando forço um bocadinho e sinto a lombar a picar.
Digo-o todos os dias, quando olho para o meu filho mais velho adormecido: acho que a coisa não vai correr bem.
Tenho medo. Muito medo.
Medo que a rapariga se antecipe e conheça o mundo antes do tempo.
Medo que fique internada dias a fio e eu sem saber se me vire para a mais nova se para o mais velho.
Medo da ansiedade que a minha estadia no hospital vá provocar em casa.
Medo de precisar de mais dias do que os dois com que fervorosamente acredito precisar.
Medo que a primeira reação não seja a melhor.
Medo de não estar à altura de dois filhos tão pequenos.
Medo de a coisa não corra bem e não segure todas as pontas, como sempre me habituei a fazer.
Medo de lhes falhar, de não conseguir estar lá para eles, da mesma forma e com a mesma plenitude que para um.
Mas depois... Depois, lembro-me que isto é, no fundo, a única melhor coisa que poderia acontecer.
Lembro-me como vai ser giro voltar a ter um bebé, apesar do que tudo isso implica.
Lembro-me que tudo aquilo que o Caracolinho sempre pediu foi uma mana e, mesmo passando pela inevitável adaptação e possível rejeição à rapariga, vai adorar ter alguém para ler histórias e brincar ao faz de conta.
Lembro-me o quanto odiei ser filha única, o quão pesadas são as cargas quando só existe um para equilibrar com a barra.
E por isso, mesmo sabendo que haverá dias que a coisa não vai correr bem, guardo o medo no bolso pequenino das calças de ganga que agora não servem, para me lembrar dele quando as coisas correrem bem.