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A Caracol

Um blogue pseudo-humoristico-sarcástico. #soquenão #ésóparvo

Um blogue pseudo-humoristico-sarcástico. #soquenão #ésóparvo

Apetece-me repostar

Senti a vossa falta nestas festas.
Tanta como senti nas anteriores e em todo e qualquer aniversário que comemore por esta vida fora.
Sinto a falta dos teus abraços lamechas, com a roupa a cheirar ao tabaco qua nunca largavas.
Fugia a sete pés dos teus abraços, nunca fui muito dada a essas demonstrações de afeto, mas tu sabias, lá fundinho, que era só para ser difícil.
Devia ter-te abraçado mais.
Devia ter-vos abraçado mais.
Talvez por isso carreguei as vossas urnas com tanta determinação: foi o meu último abraço, o mais forte, o mais marcado, o mais doloroso. 
 
A saudade vai aumentado proporcionalmente ao declínio da dor. Nunca me custou falar de vós, pronunciar o vosso nome, dizer que tinham falecido ao invés de inventar uma historinha bonita sobre o céu e os anjinhos. Gosto de o fazer, de vos relembrar, de tentar reter todos os pedacinhos da nossa história juntos, tentando não esquecer nenhuma peça. Devo-vos isso: memória.
Lembro-me do quanto gostavas do natal e de como fizeste (muito contra a vontade da mãe) aquela árvore improvisada só com luzinhas, numa planta lá de casa. Lembro-me do primeiro pinheiro a sério que compraste, que era tão pequeno que coube em cima do frigorifico. Lembro-me de como enfeitavas a casa com fitas pindéricas e cintilantes. Lembro-me de gostares do natal, de o viveres, de entrares no espirito de união ao ires visitar a família na véspera, mesmo aqueles que pouco te falavam. Lembro-me de ir contigo ao Porto comprar o bacalhau à mercearia.
Recordo a mãe, sempre fiel à sua fé, dizendo que não era correto comemorarmos o natal, mas comprando os doces e fazendo rabanadas. Lá no fundo, eu acredito que a mãe também gostava do espirito, embora não o demonstrasse. Ou talvez fosse só mesmo para te ver feliz, ou melhor, nos ver felizes.
Já do ano novo a mãe não se queixava: gostava de ver o fogo de artificio, no Porto. Claro, era uma maneira de te controlar, já que não o fazias sozinho. A mãe era mesmo assim, não era só minha, era tua também. Encarregava-se de fazer tudo o que pudesse para que estivesses bem, que tivesses o essencial, de te iluminar esses caminhos um tanto ou quanto obscuros que passeavam pela tua mente. A mãe amava-te como uma mulher ama um homem e como uma mãe ama um filho. Tenho pena que, às vezes, não lhe desses o devido valor. Embora, tenho a certezinha, ela soubesse que a amavas e que te perderias sem o seu pilar. 
 
É um tanto ou quanto engraçado como mudamos quando morre alguém que amamos. Costumo dizer que não mudamos, renascemos. Somos iguais fisicamente, temos o mesmo aspeto, o tempo vai passando da mesma forma (às vezes mais devagar), mas lá dentro há qualquer coisa que se perde e outra que se encontra. Perdemos a fragilidade e encontramos a força. Perdemos a fantasia e encontramos a realidade. Perdemos a fé no sobrenatural e ganhamos fé no próximo, na família, nos amigos... Temos de aprender a viver novamente, sem determinada pessoa. Uma hora de cada vez. Um dia de cada vez. Aprendendo a não recalcar pensamentos, alimentando memórias, sobrevivendo entre vazios. Valorizando quem nos apoia, suporta, quem em nós acredita. Acreditando que o amanhã será melhor que hoje. E se não for, acreditar no mesmo para o dia seguinte.
Sinto a vossa falta todo o ano, todos os dias. Posso estar numa festa com 25 pessoas, que irão sempre faltar duas, irão sempre faltar dois aniversários, duas prendas para comprar, menos dois lugares à mesa. Tal como disse, aprendendo. Faltam duas, sim, mas tenho 25, há que as saber aproveitar.
 
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