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A Caracol

Um blogue pseudo-humoristico-sarcástico. #soquenão #ésóparvo

Um blogue pseudo-humoristico-sarcástico. #soquenão #ésóparvo

Indignações miudinhas

As mães, antes do orçamento de estado 2020:

"Não dá para ter filhos neste país. O Estado não quer saber da parentalidade, está-se a borrifar para as famílias com filhos. Devíamos ter mais ajudas. Os ciganos é que estão bem: têm tudo de borla. Esses e os do rendimento mínimo. Andámos nós a sustenta-los."

As mães, depois do governo anunciar a implementação de várias vacinas no PNV, como meta para 2020:

"É sempre a mesma coisa. Eu tive que pagar tudo e na altura ninguém me ajudou. E eu que já dei metade? Onde vou buscar o dinheiro que já investi? Os ciganos é que estão bem: têm tudo de borla. Esses e os do rendimento mínimo. Andámos nós a sustenta-los."

As mães, depois do governo anunciar as baixas por assistência aos filhos pagas a 100% até aos 12 anos:

"Isto agora é que vai ser um fartote! Vai tudo ficar em casa com os filhos. E eu, que nunca fiquei em casa com os meus porque aos 3 anos já tomavam paracetamol e ibuprofeno intercalado de 4 em 4 horas para a febre e já sabiam emborcar o antibiótico sozinhos, dizia eu, ando eu a trabalhar para estas sostras molengonas ficarem em casa com os filhos. É sempre a mesma coisa. Os ciganos é que estão bem: têm tudo de borla. Esses e os do rendimento mínimo. Andámos nós a sustenta-los. E agora também às mães que ficam de baixa com filhos doentes. Olh'agora..."

As mães, depois do governo anunciar que pondera (reparem: PONDERA) atribuir creches gratuitas às crianças do primeiro escalão de abono:

"O quê?! Como assim quem está em casa não paga nada?! Então e os outros? E os 'morcões que trabalham de sol a sol' têm direito a quê? É sempre a mesma coisa. Os ciganos é que estão bem: têm tudo de borla. Esses e os do rendimento mínimo. Andámos nós a sustenta-los. E agora também às mães que ficam de baixa com filhos doentes. E ainda com as creches dos que estão em casa a coçar a micose e têm o primeiro escalão de abono."

As mães, depois do governo anunciar que vai atribuir um cheque para apoio ao pagamento da creche, a partir do terceiro trimestre de 2020, para famílias com dois ou mais filhos e independente do rendimento do agregado:

"Deve ser uma esmola. Aposto que é uma esmola. Os ciganos é que estão bem: têm tudo de borla. Esses e os do rendimento mínimo. Andámos nós a sustenta-los. E agora também às mães que ficam de baixa com filhos doentes. E ainda com as creches dos que estão em casa a coçar a micose e têm o primeiro escalão de abono."

O facto de termos um deputado de extrema direita, cujos compinchas de partido têm ligações diretas a grupos nazis: detalhe.

O facto de pagarmos TODOS a dívida GIGANTE do BES, aquando o rombo do Salgado: detalhe.

O facto da esperteza de Berardo o ter levado a guardar a sua fortuna tão bem guardada que ele nem se lembra onde a pôs: detalhe.

O facto de Isabel dos Santos ter desviado e enfiado dinheiro no bolso pequenino das calças de ganga, num país que onde água potável é sinónimo de ostentação: detalhe.

O facto do Trump ter atacado o Irão e estar no poder há demasiado tempo: detalhe.

O facto de, em Portugal, a economia paralela ser um problema grave, mas continuarmos todos a enterrar a cabeça na areia e solicitarmos serviços sem fatura ou 'ao amigo': detalhe.

O facto de, em Portugal, haver empresas com capital social que fazem chorar a rir o ceguinho: detalhe.

O facto de sermos um país idoso, muito perto do precipício para o estado social: detalhe.

O facto de termos uma das maiores e mais vergonhosas taxas de abstenção nas últimas eleições: detalhe.

Sermos, ou tentarmos ser, um estado social, onde quem ganha mais desconta mais, para que quem tem menos, tenha algum apoio: máxima importância.

Haver excepções abusadoras na fatia dos que recebem mais apoios do estado: Ultraje.

Mas os ciganos é que estão bem: têm tudo de borla. Esses e os do rendimento mínimo. Andámos nós a sustenta-los. E agora também às mães que ficam de baixa com filhos doentes. E ainda com as creches dos que estão em casa a coçar a micose e têm o primeiro escalão de abono.

Sobre os últimos momentos de GoT - sem spoilers

Vi ontem, de uma assentada, o penúltimo e o último episódio de Game of Thrones. Tecnicamente, vou na temporada 3, mas sou uma herege das séries e não me tira o sono não ver a história seguida. 

Dizia eu, vi ontem os dois últimos episódios da série e, francamente, não percebo este sururu à volta do enredo. Tenho para mim que quem acha esta temporada má já se esqueceu da primeira, onde a ação acontece apenas no genérico e a intriga demora duas vidas a desenrolar.
Vi três episódios da 8a temporada (a batalha de winterfell e estes dois últimos) e nenhum deles me desiludiu, mesmo achando que a batalha aconteceu de forma muito rápida e pouco perceptível.
A história até pode não ter terminado como gostariam, pode até ter perdido um pouco do medo que parecia não ter, matando personagens, mudando a personalidade a outras e alterando destinos ao rumo da sua vontade.
A série perdeu a essência, dizem alguns, mas eu acreditei. Durante cerca de três horas, ontem, não estive no meu sofá: estive em Westeros, sobrevivi à queda do império, percorrido o caminho silencioso com Tyrion e chorei com ele, senti o tormento de Snow, sabendo o certo, mas desejando o errado. Porra, até o dragão me fez lacrimejar!
Se uma série que nos consegue fazer acreditar não é uma boa série... Então, eu não percebo nada disto.
Game of Thrones acabou, mas mesmo no fim, eu acreditei que aquele mundo paralelo e inventado existe e que hoje continuam as suas vidas, sob o comando de um novo rei dos sete reinos. Não acho, por um só momento, que tenha perdido a magia ou o encanto.
Se eu gostei do final? Eh. Assim, assim. Se eu acho que foi um mau episódio? Nem por sombras.
Pronto, era só isto. Agora vou voltar à terceira temporada. 😜

Notre Dame

"É de manhã e desperta Paris
Com o som de Notre Dame
Há um burburinho que soa e condiz
Com o som de Notre Dame
Grandes sinos que dobram com pompa
E sininhos com som de cristal
A alma de toda Paris vive toda afinal
Do som de Notre Dame"

O Corcunda de Notre Dame, Disney 1996

Donativos para a reconstrução da catedral, por mais chocante que nos possa parecer, por mais imoral que nos possa soar, são tão legítimos como qualquer doação a favor de qualquer causa.
Se me faz comichão a disparidade de valores face a outras situações, sobretudo as que envolveram perdas humanas? Pá, um bocadinho. Eu não o faria, por exemplo. Mas isso não me dá o direito de julgar e apontar o dedo a quem escolhe doar o seu dinheiro para isto. Porque não, lamento mas não são "esteiros e estacas ao alto", não é só um edifício, não é só uma catedral. São séculos de História de um povo.
Eu não faria uma doação monetária para a reconstrução de Notre Dame, mas isso não me dá o direito dizer que é ilegítimo alguém o fazer. Da mesma forma que não me compete julgar o vizinho que ajuda o cão abandonado, mas não visita a mãe no lar há mais três meses. Da mesma forma que não aceito que julguem as minhas ações: faço o que posso e giro as minhas prioridades como acho adequadas e como me fazem mais sentido.
Ah, e o humor sobre isto é só mesmo isso: humor. Uma piada que vem, ri, faz rir e vai à sua vida. Não necessariamente uma opinião sobre o tema.
Podemos ser uma bocadinho melhores do que eternos juízes do Facebook, não podemos?

Senhora Dona Mamã, faxabore

Ora bem, parece que agora é de bom tom pedir autorização aos miúdos bebés para lhes trocar a fralda.

Sendo assim, eu Caracoleta Mamã, quero que o meu miúdo me peça autorização para:

- Pentear-me com as suas mãozinhas assustadoras e capazes de assassinar fios de cabelos, deixando poros dolorosamente viúvos pela cara metade. Com escova tudo bem, com mãos, senhor meu filho, é preciso autorização prévia e requerimento enviado por correio registado. E não há cá trocas a meio do penteado, é escova até ao final ou terás de questionar "Senhora Dona Mamã, posso usar agora aos mãos neste bocadinho de cabelo que ainda te resta?"

- Fazer birras. Imediatamente antes de se atirar para o chão a bracejar e espernear num lago de baba e ranho porque não o deixo ir de pijama para a escola, quero que o moço pergunte diligentemente: " Senhora Dona Mamã, posso fazer uma birra? Muito feia e muito grande? Por favor?" Assim é que é bonito e de menino bem educado, capaz de perceber o consentimento do outro.

- Sujar-se na lama. (aplicando a mesma regra das birras e sempre precedido do título 'senhora dona Mamã', que o respeitinho é muito bonito e está em vias de extinção)

De momento são as que me ocorrem. Qu'isto agora é tanta autorização entre pais e filhos que daqui a nada não temos lar nem família, temos repartições de laços entre seres com o mesmo ADN. Agora vou só ali terminar de preencher o impresso 156 do modelo 7, que preciso que o miúdo rabisque para lhe poder dar banho logo à noite. (Em miúdos até aos dois anos é o modelo 6, que é impresso num papel resistente à baba. De nada.)

Mudamos tão pouco em tanto tempo

Escrevi isto há três anos - relembra-me o facebook. 
Três anos.

O pequeno corpo de Alan Kurdi numa praia da Turquia foi partilhado até à exaustão há três anos. Tornou-se simbolo de uma guerra sem nome e de uma batalha perdida. Ou pelo menos foi assim, durante jma semana. Há três anos dissemos, revoltados, que não podia ser, que alguma coisa teria de feita. E fizemos, efetivamente. Elegemos o Trump, erguemos muros numa redoma envolvente aos Estados Unidos, separamos filhos e pais indeferentes aos gritos e aos choros dilacerantes. Dissemos que o aquecimento global é um mito e que as fotografias de plástico nos oceanos são montagens de teóricos da conspiração. 

Afogamos ainda mais a cabeça em águas turvas, fechando os olhos com força para a poeira lamacenta não entrar. Deixamos barcos à deriva, indefinidamente. Fingimos que não existe, porque se a comunicação social não fala é porque já terminou. Tornamo-nos indiferentes ao massacre: passou a ser apenas mais um. Somos todos Paris, Barcelona, Londres, Berlim, Alepo. Somos todos por eles e eles são só mais uns na lista crescente.

Alan Kurdi foi apenas mais um e a sua morte foi completamente em vão.