Não sei qual é parte de ter que trabalhar que aquelas aves raras não percebem, mas tudo bem.
O som torna-se estridente, alguém chamou por mim. Caraças, que raio me querem agora?
- Chamaram? - questiono ignorando os 98676 chamamentos anteriores.
- Não... era só para saber como estavas.
Tão queridos, até parece que se preocupam e não querem, na realidade, não dizer nada ou só azucrinar a cabeça porque caí no degrau ou porque lancei mais uma farpa para o ar.
Ali, naquela Gaiola, é sempre tudo muito urgente, todos piam sempre alguma coisa e é de estranhar o silêncio. Os temas variam muito, desde Joaninhas (não perguntem), passando pela infindável lista de séries que um vê (não sei como consegue), parando nas parvoíces de dois ou três que quando se juntam é um regabofe melhor que os do Algarve (não sei quem faço parte). Há o cromo, que é, literalmente, um cromo e que não, não sou eu. Há conversas infindáveis sobre chupetas, mortes e o verdadeiro sentido da vida. Normalmente, não chegamos a conclusão nenhuma e o assunto termina, invariavelmente, em dois pontos: ou comida ou parvalheira. Às vezes, a maior parte das vezes, nos dois.
Se lhes podia mandar com um calhau e cala-los um bocado?
Podia, mas também teria a vida irremediavelmente mais enfadonha.
No topo da árvore, envolto em panos, com uma faca nos dentes e um ar chorão de quem está prestes a fazer um milagre que vai acabar mal, estava Ele. -
Outra vez o puto! - diz o Pai Natal entre dentes.
- Ei! Eu ouvi isso. Eu oiço tudo.
- Sai daí menino Jesus! - grita-lhe Idalete - Vou dizer à tua mãe o que tu andas a aprontar. Olha que ainda esta semana tomei chá com ela!
- Podes dizer o que quiseres - desafia-a o menino - mas este ano não vão ficar com os louros todos.
E nisto, para espanto de todos, menino Jesus lança-se do topo da árvore em direcção ao Pai Natal que, estarrecido, vê a sua vida passar num flash à sua frente...
Agarrado às barbas do Pai Natal, o Menino Jesus puxava por onde conseguia para tentar arrancar aquelas barbas ásperas e irritantes.
- Pára com isso, Jesus. - Gritava Idalete agarrando uma perna do pequeno. Cidalino, em auxílio do Pai Natal, que apesar de lhe comer as morcelas e o queijo gostava bastante dele, agarrou no que restava de uma chouriça e acertou em cheio na testa do pequeno diabrete.
No meio da confusão Rudolfo desapareceu misteriosamente, ninguém deu pela coisa, enquanto todos estavam concentrados em agarrar o menino Jesus que apenas queria vingar a fama do Pai Natal ninguém topou a cena. Afinal, depois do famoso anúncio da Coca-Cola, nunca mais o Natal foi o mesmo, todos se esqueciam de que era o aniversário do pequeno e só o Pai Natal assumia o protagonismo.
Nisto, Idalete Natal pega no telemóvel e liga aos Reis Magos. O seguinte diálogo sucede:
- Tou? Belchior? É a Idalete. Onde é que vocês estão?
Olá Idalete. Olha, neste momento estamos no Oásis à saída da A-Pérsia. Os camelos precisavam de abastecer. Mas conta coisas, que se está a passar?
Epá, o puto Jesus tá aqui desencabrestado, a dizer que quer voltar a ser o protagonista do Natal. O que é que eu faço?
Olha boa, não sei. Já tentaram dar-lhe uma palmada no rabo?
Ó Belchior, mas tu achas que a gente vai dar uma palmada no puto? O Cidalino ainda lhe atirou com uma chouriça à cabeça, mas ele ainda ficou pior. Achas que lhe dê um Valdispert para ver se ele acalma?
Não, Idalete. Não me drogues a criança que eu ainda preciso de o apresentar ao povo e se ele está com olhos de charroco ninguém o leva a sério. Passa-lhe aí o telefone que eu falo com ele, se faz favor...
Idalete lá passou o telemóvel ao puto e Belchior, com a sua calma inglesa, enquanto bebia uma chávena de chá de maça e canela e comia um brioche
que além de duro, ainda tinha custado os olhos cara, que isto das áreas de serviço só servem mesmo para nos enganar
pensava com os seus botões - mas que mania esta agora de não se dar palmadas aos putos... não hão-de eles fazer tudo o que querem, credo. Educação, senhores, educação!).
Mas pronto, quando Jesus atendeu lá tentou chamá-lo à razão:
- ouve lá, rapaz, mas não tomaste a Ritalina hoje? não sabes que tens mesmo de controlar essa hiperactividade? anda lá, já tens dois mil anos de idade, podias ter um bocadinho menos de ciumes? Então andamos aqui todos a tratar-te nas palminhas, e vai-se a ver e fazes estas cenas? que exemplo estás tu a dar?
Jesus começou a amuar e a fazer beicinho, não gostava nada quando se chateavam com ele. Até porque, agora que pensava nisso, se calhar não tinha tomado a medicação. Além de... pronto, prendas são prendas e ele queria mesmo a prenda que Belchior lhe tinha prometido.
Num dia de frio, num daqueles típicos dias de Inverno em que a vontade em ficar na cama é superior à de levantar e a força gravítica parece exercer uma força acrescida, o Pai Natal deu por si a pensar que a época mais stressante do ano estava prestes a chegar. Só de pensar o homem de barbas brancas já dava por si a sentir a azia no estômago, que nada tinha a haver com a salsicha picante da noite anterior."
Até podia não ser da salsicha... mas se calhar tinha abusado um bocado nas migas com entrecosto que a mãe Natal tinha feito. Não havia ele de estar assim cheiinho, a mãe Natal era uma cozinheira de mão cheia (e, na realidade, também era uma excelente dona de casa. Talvez com um pouco de hiperactividade não diagnosticada. Quem é que se lembra de arrumar a casa toda às 6h da manhã, quando os duendes e ele próprio estavam a querer dormir????).
Ai senhores, pensou ele, talvez tenha de tomar as gotas antes de ir ter com o Rudolfo. Mas caramba, será que o Rudolfo não se podia acalmar um bocadinho? ainda faltavam 22 dias para o grande dia e já andava a programar a viagem, a tentar programar a rota no Waze para ter a certeza que não havia atrasos. demasiado cedo, não?
Após consultar todas as apps possíveis e imaginárias, o Pai Natal chama a Mãe Natal e diz "Ó Idalete! Idaleeeeeete!!! Ajuda-me aqui que não tou a conseguir planear a viagem como deve de ser. Este ano os ventos vão andar marados por isso não posso começar pela Suécia, tenho que ir pela Sibéria e não tou a ver como é que eu vou passar pela China sem lixar a viagem toda!
Como é óbvio a Mãe Natal sofre de certeza de transtorno obsessivo compulsivo (sim, limpar a casa as 6 horas da manhã não é para todos) começou a fazer logo uma lista para aclamar ansiedade ao saber que o seu esposo o único afazer é ler cartas e uma vez por ano percorre tudo mundo para entregar os presentes de Natal nem isso estava conseguir executar parece os CTT aqui em Portugal.
Ao conseguir fazer a lista foi falar com os assistente pessoal do Pai Natal para lhe resolver problema com máxima urgência...
Idalete encontrou o assistente do Pai Natal a ler. Está sempre a ler o Cidalino.
- "Olha, tens aqui a "To Do" list para a viagem, há coisas para ires comprar, e têm mesmo que cumprir o itinerário, ou não passam de Paris. E este ano tens mesmo que ir que o Nicolau está estranho e não o quero por aí sozinho".
- "Ai não vou não Idalete. Já sei que nas marmitas só vão torresmos e sandes de mortadela e sabes como é difícil encontrar comida vegetariana. Até o leite e as bolachas que os putos deixam nunca são vegan".
Idalete Natal começou a desesperar.
- "Este gajo está a ficar um bocadinho extremista". Pensou
Entrou em casa e gritou para o fundo do corredor: "Rudolfo! Vamos passear".
E foi assim que a Mãe Natal e o Rudolfo tramaram o Cidalino. Saíram de mansinho, deixaram uma chouriça, uma morcela de cebola e um queijinho da serra bem cheiroso em cima da mesa e dizendo que demorariam 2 horas até ao regresso, voltaram em menos de 10 minutos apanhando o Cidalino a devorar os enchidos e o belo do queijinho. Foi impossível de negar, ele que estava a planear culpar o cão da família... Cidalino estava mesmo com a boca no trombone que é como quem diz, nas chouriças.
- Oh. Meu. Deus. - exclama Idalete exaurida.
- Chamaste fofinha? Que se passa? - questiona o Pai Natal enquanto devora uma lasca de morcela que Cidalino não tivera tempo de engolir.
- Patroa, eu posso explicar, a sério. Não é nada disso que está a pensar.
- Eu nem quero acreditar! Valha-me a Santa...
Cidalino, baixinho e virado apenas para o Pai Natal:
-Será que esla está bem? Parece-me um bocado branca... Ainda vai ter um piripaque à conta das morcelas...
- Ó Idalete. Deixa-te de tretas. Já todos sabíamos que o Cidalino surripiava os queijos do frigorífico e meia volta lambuzava-se com as sobras de tripa farinheira. Esquece lá isse, melher, pronto, deixa lá.
- O quê?! Não é nada disso. É.... Aquilo. - sussurra, branca como a barba do marido, erguendo um indicador trémulo para a árvore de natal.
Malta com demasiado tempo livre tem ideias brilhantes e motivados por esta onda natalícia os pássaros estão a criar (mais) uma história em conjunto. Assim, todos os dias, até dia 25, iremos publicar, à vez, uma breve continuação da história iniciada pela Just_Smile, que será depois continuada pelo pássaro seguinte. No dia 25, traremos a história completa, entre um prato de roupa velha, duas fatias de pão de ló e um copito de vinho para empurrar tudo. Ou isso, ou vimos a rebolar, mas isse agora...
- Chamaste fofinha? Que se passa? - questiona o Pai Natal enquanto devora uma lasca de morcela que Cidalino não tivera tempo de engolir.
- Patroa, eu posso explicar, a sério. Não é nada disso que está a pensar.
- Eu nem quero acreditar! Valha-me a Santa...
Cidalino, baixinho e virado apenas para o Pai Natal:
-Será que esla está bem? Parece-me um bocado branca... Ainda vai ter um piripaque à conta das morcelas...
- Ó Idalete. Deixa-te de tretas. Já todos sabíamos que o Cidalino surripiava os queijos do frigorífico e meia volta lambuzava-se com as sobras de tripa farinheira. Esquece lá isse, melher, pronto, deixa lá.
- O quê?! Não é nada disso. É.... Aquilo. - sussurra, branca como a barba do marido, erguendo um indicador trémulo para a árvore de natal.
Os que estão lá sempre e desde sempre, cuja memória conjunta remonta até muito antes de darmos os primeiros passos. s Os que não sendo irmãos, partilham o mesmo ADN de cumplicidade e são-no sem querer e sem o menor esforço. Há os que estão, mesmo não estando. Aqueles com quem poderemos retomar a conversa exactamente no mesmo ponto em que ficou, mesmo que tenham passado décadas. Depois há aqueles que não conhecemos fisicamente, mas que por mero acaso virtual se juntaram aos nossos dias tornando-os imensamente melhores. Há aqueles que chegam com força de um furacão nível IV e que sabemos imediatamente que queremos ter sempre por perto. Há ainda aqueles que chegam devagar, como as ondas do mar quando a maré vaza, mas que permanecem sempre seja em diálogos silenciosos ou em conversas infinitas. Há os improváveis - aqueles a quem torcemos o nariz ao primeiro olhar mas sem quem já não imaginamos a partilhar uma ocasião especial. Há os foliões, que riem por tudo e por nada conseguindo arrancar um meio sorriso no meio da tempestade. Há os que estão a meio da subida, não por escárnio ou vaidade mas apenas para te lembrar que parte do caminho é teu, mas que terás sempre alguém para te acompanhar, basta pedires. Todos eles, sem a menor excepção, tornam os nossos dias melhores, mais leves, menos solitários. Todos eles nos fazem pensar como era a vida antes da sua chegada, sem nos lembrarmos exactamente dessa fracção de tempo. Todos eles me fazem agradecer, todos os dias, não só o facto de existirem, mas também por me permitirem fazer parte da vida deles. Dizem que os amigos dão vida e cor aos nossos dias. E eu posso garantir: tenho os melhores pintores do mundo comigo.
Alguns anos depois (dois? três?) ainda consigo ficar surpreendida pelo facto de ter gente que não conheço fisicamente, mas que fazem tão parte dos meus dias. Não me lembro como era antes de nos juntarmos, só sei que ficou indefinidamente melhor depois disso.
Que o teu dia seja tão especial como tu, que concretize todos os teus sonhos e que sejam imensamente felizes, não só hoje, mas todos os dias que se seguirão. Não será sempre bonito, sempre cor de rosa com unicórnio e nuvens de algodão doce, nem eu te desejo isso. Serão os dias menos bons que te farão procurar a certeza deste dia e que vos tornarão ainda mais cúmplices e unidos.
Sejam muito felizes minha querida e que a vida vos traga todas a oportunidades que merecem para a viverem em plenitude.
Um grande beijinho deste lado que, apesar de virtual, faz tão ou mais parte de nós e dos nossos dias do que o "bom dia" ao colega.