Comecei isto em dezembro passado, creio que tem dois capítulos, mas depois passou-se o timming natalício e deixou de fazer sentido. Este ano termino a saga "E se a Imaculada Concepção Fosse Hoje?"
(Não recomendado a pessoas com sentido de humor enfraquecido ou que se ofendem com humor religioso)
I Capítulo
9:00 da manhã, na reunião de Conselho Celestial:
Deus: - Miguel, quero um filho. Vai lá baixo e trata-me disso, por favor. Leva o Espírito Santo contigo.
Miguel: - Outra vez eu?!
Deus: - Sim, outra vez tu. Tens algum problema com isso?
Miguel: - Por acaso tenho. Começamos por onde? Pelas horas extra que fiz para encontrar o Daniel no meio daquele jejum maluco que o gajo fez no deserto?! Ou pelos treinos bi-diários a que me sujeito para a batalha final que nunca mais chega? Onde está o MEU momento de glória que prometeste quando me contrataste, hã? Estou estagnado na minha carreira desde as profecias que me anunciam e isso é injusto!
Deus: - Outra vez essa conversa? Queres falar de horas de extra? E as que EU fiz para VOS criar?! O tempo que dispendo constantemente para a vossa formação, o meu esforço e criatividade em milagres capazes de nos sustentar por milénios. Perpetuei a tua imagem, vives dela e tu vens-me agora com sindicalismos e reivindicações? A mim?!
Miguel: Eh pá, não me venhas com tretas... O milagres também te deram jeito e nós todos contribuímos para que o teu bom nome sempre fosse salvaguardado. Mesmo quando Lú...
Deus: Parou! Não te admito que me fales nesse tom, muito menos que menciones a concorrência! Se não queres trabalhar, há mais quem queira e sem um terço das tuas lamentações. Há quem vista genuínamente esta camisola e não esteja aqui só à procura de glórias, sabias? Agora desaparece-me da vista antes que eu me esqueça quem és e te retire a promoção deste mês. E podes dizer adeus às férias do próximo ano.
Gabriel: Senhor meu Deus, considera que tenho capacidade para tarefa tão magnânima? Muito gostaria de o ajudar na concepção de alguém capaz de o ajudar nesta árdua tarefa de liderança do céu.
Deus: Tazaver Miguel? Há sempre quem queira trabalhar... Vai Gabriel. Que o Espirito Santos te acompanhe, leva uma manta que faz frio lá em baixo. Falamos do r€sto quando voltares. Se tiveres cumprido bem a missão.
Tanta como senti nas anteriores e em todo e qualquer aniversário que comemore por esta vida fora.
Sinto a falta dos teus abraços lamechas, com a roupa a cheirar ao tabaco qua nunca largavas.
Fugia a sete pés dos teus abraços, nunca fui muito dada a essas demonstrações de afeto, mas tu sabias, lá fundinho, que era só para ser difícil.
Devia ter-te abraçado mais.
Devia ter-vos abraçado mais.
Talvez por isso carreguei as vossas urnas com tanta determinação: foi o meu último abraço, o mais forte, o mais marcado, o mais doloroso.
A saudade vai aumentado proporcionalmente ao declínio da dor. Nunca me custou falar de vós, pronunciar o vosso nome, dizer que tinham falecido ao invés de inventar uma historinha bonita sobre o céu e os anjinhos. Gosto de o fazer, de vos relembrar, de tentar reter todos os pedacinhos da nossa história juntos, tentando não esquecer nenhuma peça. Devo-vos isso: memória.
Lembro-me do quanto gostavas do natal e de como fizeste (muito contra a vontade da mãe) aquela árvore improvisada só com luzinhas, numa planta lá de casa. Lembro-me do primeiro pinheiro a sério que compraste, que era tão pequeno que coube em cima do frigorifico. Lembro-me de como enfeitavas a casa com fitas pindéricas e cintilantes. Lembro-me de gostares do natal, de o viveres, de entrares no espirito de união ao ires visitar a família na véspera, mesmo aqueles que pouco te falavam. Lembro-me de ir contigo ao Porto comprar o bacalhau à mercearia.
Recordo a mãe, sempre fiel à sua fé, dizendo que não era correto comemorarmos o natal, mas comprando os doces e fazendo rabanadas. Lá no fundo, eu acredito que a mãe também gostava do espirito, embora não o demonstrasse. Ou talvez fosse só mesmo para te ver feliz, ou melhor, nos ver felizes.
Já do ano novo a mãe não se queixava: gostava de ver o fogo de artificio, no Porto. Claro, era uma maneira de te controlar, já que não o fazias sozinho. A mãe era mesmo assim, não era só minha, era tua também. Encarregava-se de fazer tudo o que pudesse para que estivesses bem, que tivesses o essencial, de te iluminar esses caminhos um tanto ou quanto obscuros que passeavam pela tua mente. A mãe amava-te como uma mulher ama um homem e como uma mãe ama um filho. Tenho pena que, às vezes, não lhe desses o devido valor. Embora, tenho a certezinha, ela soubesse que a amavas e que te perderias sem o seu pilar.
É um tanto ou quanto engraçado como mudamos quando morre alguém que amamos. Costumo dizer que não mudamos, renascemos. Somos iguais fisicamente, temos o mesmo aspeto, o tempo vai passando da mesma forma (às vezes mais devagar), mas lá dentro há qualquer coisa que se perde e outra que se encontra. Perdemos a fragilidade e encontramos a força. Perdemos a fantasia e encontramos a realidade. Perdemos a fé no sobrenatural e ganhamos fé no próximo, na família, nos amigos... Temos de aprender a viver novamente, sem determinada pessoa. Uma hora de cada vez. Um dia de cada vez. Aprendendo a não recalcar pensamentos, alimentando memórias, sobrevivendo entre vazios. Valorizando quem nos apoia, suporta, quem em nós acredita. Acreditando que o amanhã será melhor que hoje. E se não for, acreditar no mesmo para o dia seguinte.
Sinto a vossa falta todo o ano, todos os dias. Posso estar numa festa com 25 pessoas, que irão sempre faltar duas, irão sempre faltar dois aniversários, duas prendas para comprar, menos dois lugares à mesa. Tal como disse, aprendendo. Faltam duas, sim, mas tenho 25, há que as saber aproveitar.