Sou fit! E agora? #14
Fiz quatro aulas com PT e ele sobreviveu
Não foi fácil, porque dei bastante luta, mas o professor conseguiu levar a cabo a tarefa de me quebrar o esqueleto com bastante distinção. Vou mais longe e acrescento: no lugar dele eu ter-me-ia penitenciado bem mais – mentira, só estou a dizer isto porque já acabou e ele, tão cedo, não me põe a vista em cima.
Para começar, vou responder à pergunta que paira na vossa cabeça: porquê fazer aulas com PT?
Primeiro pela questão postural: sou torta e raramente me endireito - mesmo tendo essa consciência. Numa aula, ou num plano de treino comum, por muito que te chamem a atenção, não podem – nem devem – insistir sempre no mesmo a cada segundo. Se não te corriges, problema teu. O nosso – ó eu a partir do pressuposto que não sou só eu, hã? – o problema é que muitas vezes o cansaço, a falta de fé e o querer terminar num instante, leva-nos a não querer saber da coluna alinhada, do peito para fora, dos joelhos semi dobrados, do olhar em frente. Só queremos que aquilo acabe. Se levarmos com uma dor aguda na lombar durante a noite, azarito meu amigo, acontece aos melhores e esfrega voltaren que isso passa. Portanto, a primeira razão pela qual optei por fazer isto foi para ter alguém a massacrar-me o juízo durante meia hora
olhás costas!” “ombros para trás!” “olhá cervical!” “Cola as costas ao colchão!” “Não deixes cair a bacia!” “Não há moedas no chão. Olha em frente!"
Como fui eu que tive esta brilhante ideia não pude reclamar (muito) sobre este ponto.
A segunda razão – e que provavelmente me vai custar caro – é que pronto, é verdade, eu assumo: gosto de levar no corpo. É a vida. Há quem goste de periglicofilia* e quem seja fã de BDSM aplicado ao fitness. Não podemos ser todos finos da cachimónia. Além disso, sou demasiado fraquita para arriscar fazer exercícios que não domino bem, mas que no fundo até gosto, sozinha numa sala com um monte de gente e um espelho de ângulos duvidosos, ficando quase sempre pelo basicozinho e sem graça e raramente saindo da zona de conforto.
Ainda estão focados no BDSM, não estão? Confessem, quantas vezes já voltaram lá com os olhinhos a pensar “se calhar enganou-se, tadinha.” Más notícias: não me enganei. Péssimas notícias: vai piorar.
Uma r(a)lação de PT-Aluno tem muito de similar a uma relação de BDSM, não que alguma vez tenha tido algo do género, que não tive, mas já li Mr. Grey e isso dá automaticamente credenciais para falar sobre o assunto. Ora vejamos: alguém Domina, alguém se Submete e é Massacrado. Para o Bondage podemos sempre contar com o amigo TRX.
Uma das premissas de BDSM que não é aplicada entre PT-Aluno e que a meu ver está muito, muito mal, é a não utilização de palavras de segurança. O meu professor, por exemplo, não se acreditava quando lhe dizia que não dava mais, que não podia e que não conseguia sequer respirar. Exigia sempre mais, normalmente 5/6 repetições, mesmo depois de já nem saber sequer saber quem sou e de ter os pulmões a parecer a zona de impacto de Hiroshima. A única vez que de facto acreditou em mim e na minha incapacidade foi quando lhe perguntei se a sala estava a girar ou se seria apenas impressão minha. Tive direito a menos 5 repetições na série seguinte, mas nunca utilizei essa benesse em vão - sou só mariquinhas e não xoninhas. Uma palavra de segurança resolvia este problema:
- Passaste-te? Ainda agora fiz 10 burpees, não posso fazer mais 100 claimbers. Não dá!
- Andaaaaaaa! Claro que dá. Tu consegues.
- Absolvição.
- Tens 30 segundos e retiro-te 70 claimbers.
Vêem? É genial! Não sei porque ainda ninguém me dá ouvidos.
E não vamos sequer falar dos castigos. Eu mantive sempre pouco pio (ah, bom…) porque aquilo é malta de imaginação muito fértil e que faz do elástico a pior das vergastas, mas é algo sempre implícito nas entrelinhas, uma nuvem que paira no ar: “faz e não reclames muito senão é pior”. E eu pergunto-me o que raio pode ser pior que “conversar” uns minutos em agachamento, mas lá me remito ao silêncio porque não quero sequer imaginar.
Então mas foi assim tão mau?
Na verdade não. Os alongamentos, por exemplo, foram espectaculares e valeram por toda a experiência.
Estava a brincar…
Não estava nada.
Foi do pior, odiei cada segundo, tive vontade de insultar em voz alta o professor montes de vezes, estive a pontos de desistir 5893554 vezes, verbalizei mais impropérios do que o número de vezes que a palavra Deus aparece na bíblia (3.828), não menos foram as vezes em que engendrei 1236 hipóteses de lhe acertar com a barra “sem querer” e numa das aulas não senti as coxas nos quatro dias seguintes. Isto traduzido para linguagem técnica significa que foi espectacular, que superou a espectativa e que senti efectivamente que melhorei a postura (noto sobretudo quando faço o plano sozinha que tenho menos dificuldade em autocorrigir-me, independentemente do cansaço) e olho com mais facilidade para o meu próprio reflexo no espelho (não muito, mas enfim, passitos pequeninos e a coisa vai).
No geral e sem ironia ou mariquices: foi uma experiência bastante positiva no meu percurso fit e que tenciono repetir.
Não tão cedo, talvez um dia. Tipo quando D. Sebastião voltar ou assim.
*periglicofilia - colecionismo de pacotes de açúcar.