Tentei meia maratona e sobrevivi para contar a história
Ontem, foi dia de EDP Meia Maratona do Douro Vinhateiro, uma forma engraçada de atrair a malta e dar cabo do canastro ao pessoal num dia tórrido de calor e ao longo de uns extensos 21.5km.
Começo por dizer que quando me inscrevi não dava um passo. Literalmente. Inscrevi-me no auge das tendinites de Aquiles e não conseguia sequer caminhar dois metros sem me sentar e sem parecer fazer breack dance. E porque me inscrevi? Porque, na verdade, desde que corri os primeiros 10km, que ficou o "e se?". Os "e ses" são lixados. São o vinho na marinada das decisões e quando vemos uma hipótese, por muito disparatada e louca que nos possa parecer, deixamos que vença, mesmo com excelente e fácil desculpa para não o fazer, mesmo com os 678 arrependimentos posteriores, mesmo com as dúvidas, os medos e as ansiedades que o "sim" acarreta.
Como correu? Foi correndo. Uns metros a correr, outros a caminhar.
Estava um calor infernal, toda a água me parecia pouca e os 10km pareciam inalcançáveis. Aos 8km, com os pés a arder - literalmente - caminhei o primeiro pedaço. Soube pela vida, mas retomei pouco tempo depois, para mal dos pecados das minhas coxas.
Esgotei com os "foda-se!" todos entre o quilómetro 10 e o quilómetro 11. Depois, percebi que não me adiantavam grande coisa, além do poder libertador e da sensação de que ainda mando na minha própria morte e, portanto, posso manda-la abaixo de Braga as vezes que me apetecer.
Foi maizomenos por aqui que encontrei a Ana.
A Ana é maratonista e corre comó caraças. A Ana correu num ritmo que não era o dela, para acompanhar uma amiga naquilo que, para ela, seria apenas um mais um treino. A Ana puxou por mim, várias vezes, ao longo de 5km. Sem parecer frustrada, melindrada e sempre com uma energia invejável. A Ana é leitora aqui do bagulho e merece as vossas ovações nos comentários, tal como a Vânia, a amiga que ia a acompanhar e que foi uma valente até ao final. Parabéns Vânia!
Depois da Ana, percorri mais alguns metros com uma miúda de Lisboa que penava por não ter treinado mais, por se baldar aos treinos nos últimos dias e pelas dores que sentia. Amiga, tamo junta. Treinos longos? Nem vê-los. Últimos 10km seguidos? Março. Baldas a treinos? Digamos que fui a rainha das baldas injustificadas estas últimas duas semanas.
Ao quilómetro 16 esbarrei com um grupo castiço e barulhento. Não sei como conseguiam fazer tanto barulho, quando eu só me esforçava por respirar em condições. Valentes!
Toda a gente com quem cruzamos caminho nos diz que "está quase". À maior parte, respondemos a sorrir, quando na realidade estamos a pensar se os mandamos dar uma curva. Depois, pagamos caro e dizemos o mesmo a outra pessoa. O karma é lixado e até numa meia maratona isso se percebe.
Nos últimos quatro quilómetros dei comigo a imaginar como seria se não tivesse vindo. Provavelmente, não teria feito meia dúzia de graçolas para animar o rapaz que caminhou uns metros comigo, gozando um bocado com o nosso estado insano. Provavelmente, o senhor agarrado ao gémeo não teria recebido dois quadrados de marmelada de uma estranha que não fazia porra de ideia no que se estava a meter. Provavelmente, não teria dito a uma moça "tenho aqui açúcar que gamei do café. Queres? É do bom, branquinho como a neve." Acima de tudo, provavelmente, não me teria superado. E não falo só pelos quilómetros nas pernas ou pelo sprint final, falo por tudo aquilo que não se vê: o ânimo, o humor e a relativização de problemas que uma prova deste calibre traz.
Sim, fui com medo. Sim, fui com pouca preparação. Sim, caminhei muitas vezes. Não, nunca, nem por uma única vez, tive vontade de desistir. Mesmo com todos os 'foda-se!', com os todos os "valham-me os deuses", com todos os "não dá". Porque dá sempre. Se não vais tão depressa, vai mais devagar. Se alguém te diz que está quase, a seguir fazes o mesmo a outro, se alguém te incentiva, tu fazes o mesmo. Uma e outra vez. Os quilómetros passam, a paisagem muda e quando dás por ti estás na ponte e já está mesmo quase. Calam-se os tendões, as bolhas, os pulmões e segue-se como se pode.
Ainda caminhei um bocado nesta fase - podia jurar que o asfalto se cravava na planta do pé - por cada metro percorrido sentia que recuava três. Sucumbi ao meu lado nerd e dei comigo a repetir mentalmente "Not today" até encontrar a Nelma. Ou ela me encontrar, vá. Quase que a abracei, felizmente contive-me a tempo. Correu comigo os derradeiros metros, mesmo já tendo terminado a prova dela. Obrigada Nelma, aqueles dois dedos de conversa souberam melhor que três pacotes de marmelada.
Duas horas e quarenta e cinco minutos depois, cheguei ao fim. Não sabia se queria rir, chorar, vomitar ou comer. Tudo ao mesmo tempo, num embrulhanço de emoções que não têm palavras para ser descritas.
Já agradeci a várias pessoas, ao longo deste enorme texto, mas faltam algumas: à compincha Carla Beça que me acordou com um safanão "não paniques agora!" e tentou por tudo manter-me a correr até aos 10km. És a maior Carlinha! À Carla Chaves, à Irma, ao Nuno, ao Pedro, ao Tiago, ao Zé e ao Soares que no meio do seu próprio sofrimento tiraram dois fôlegos para a dar energia extra a quem ainda não tinha dado a volta.
Por fim, mas não no fim, à enorme Cátia a quem fui incapaz de dizer "nem penses! És louca?!" no dia em que propôs isto. Porque sim, sempre quis tentar, mas também sim, com ela fez toda a diferença. E eu juro, Catiazinha, que corria mais cada vez que te imaginava a gritar "é pra correeeeeerrrrrr!"
O texto já vai demasiado longo, mas quero relembrar: não corri até meados de fevereiro. Não dava dois passos seguidos quando me inscrevi. Não treinei o suficiente. Mesmo assim, terminei 15 minutos antes o estipulado. Se isto não é ser a maior da rua, então eu não percebo nada disto.
(Mas não me meto noutra. Ai não, não! 😬)